Ciência

TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO – PARTE III

 

A caça às bruxas decorreu entre os séculos XV e XVIII e estima-se que tenha feito entre 40 a 50 mil vítimas. Às acusadas era muitas vezes pedido que demonstrassem que não eram bruxas. Como é que elas poderiam demonstrar tal coisa?! Imagine-se o leitor a ser acusado de ser feiticeiro. Como é que prova a sua “inocência”? A falácia usada pela Inquisição era o apelo à ignorância (argumentum ad ignorantiam): o assumir que algo é verdade porque não foi provado como falso. Deste ponto de vista é possível assumir que todas as fantasias são verdadeiras, porque é impossível provar que são falsas. Conseguimos provar que os unicórnios não existem? Não. De acordo com o argumento da ignorância isto implicaria que eles existem. A lógica obriga-nos a reconhecer que o ónus da prova (onus probandi) está sempre do lado de quem diz que existe ou que é. Ou seja, eram os inquisidores que teriam que provar que a acusada era uma bruxa. Se eu afirmar que os unicórnios existem, sou eu que tenho que apresentar provas em favor da sua existência. O mesmo se aplica a todos os conspiracionistas: são eles que têm que apresentar provas a favor das teorias que defendem. Afirmar que a sua teoria não foi demonstrada como falsa não é um argumento válido a favor da teoria da conspiração.

 

Curiosamente, o acumular de supostas evidências pode também ser questionável! Poder-se-á imaginar que quanto mais provas temos a favor de uma dada teoria ou alegação, mais provável é que essa teoria ou alegação seja verdade. Quando se trata do acumular de provas materiais costuma ser assim. Quando se trata de evidências com base em relatos e/ou opiniões não necessariamente! Já na Lei Judaica da Antiguidade se reconhecia que a unanimidade da acusação de um réu entre juízes deveria conduzir à libertação do réu e não à sua condenação [1]! Porquê? Porque a unanimidade é extremamente improvável entre um conjunto considerável de pessoas em condições normais. O que é que é mais provável que a unanimidade? Um erro sistemático que afecta todas as testemunhas e/ou juízes. Este é o paradoxo da unanimidade. Assumimos que a concordância geral numa dada versão dos factos implica a sua veracidade, mas na verdade implica é que há provavelmente algo de errado a afectar a opinião de muitos dos indivíduos envolvidos. Ainda que a discórdia possa ser indesejável, a sua presença é quase inevitável em condições normais. Este paradoxo é útil, por exemplo, na interpretação de teorias da conspiração que têm por base relatos de testemunhas. O número de testemunhas e/ou o número de defensores da teoria da conspiração pode ser inflacionado pelas causas do paradoxo e, como tal, devemos questionar a unanimidade destas testemunhas e defensores. Como é claro, o paradoxo pode ser a consequência de muitos factores diferentes, desde manipulação externa, até à contribuição de viés cognitivos que conduzem a concordâncias injustificadas entre indivíduos – o groupthink, pensamento de grupo.

 

Refiro ainda um outro problema comum nas teorias da conspiração (e em conversas de café): o interpretar de factos numéricos. Já sabemos que as probabilidades são difíceis de compreender, mas há outras dificuldades. Uma de grande interesse concerne a interpretação de riscos para a saúde. Sendo o medo uma das nossas forças motoras, é natural ficarmos bastante atentos a uma alegação que indique que o risco de ter cancro aumenta 10 vezes se dormirmos com um pé de fora da cama, por exemplo. Ou uma notícia a indicar que um dado medicamento para controlar a tensão arterial aumenta o risco de uma outra doença mortal. Estes números têm um contexto que é necessário ser tido em conta. Quando se afirma que um dado risco aumentou ou diminuiu X %, ou Y vezes, é importante traduzir este risco relativo num risco absoluto. Isto é, qual o risco de de facto ter cancro se dormirmos com um pé de fora? Se for um risco de 1 em 10 milhões, será um risco significativo? No que toca ao exemplo da medicação, há também várias questões a fazer: se não tomarmos o medicamento, qual a probabilidade de termos complicações com a tensão arterial? Se o tomarmos, de que forma é que essa probabilidade muda? Por outro lado, essa outra doença mortal causada como efeito secundário pelo medicamento: quão provável é tê-la sem tomar o medicamento e qual a probabilidade de a contrair tomando o medicamento? Há riscos quer se tome o medicamento, quer não. A atitude racional é escolher a opção que minimize os riscos absolutos globais.

 

Como é que evitamos acreditar em teorias da conspiração e como é que verificamos que de facto não acreditamos em alguma? Não é fácil! O espírito crítico é algo que se cultiva. Temos que estar dispostos a questionar-nos e a mudarmos de opinião. Como referi na primeira parte, é um exercício de humildade! Reconhecer um erro não é constatar uma fraqueza, é antes o fortalecer do nosso presente em relação ao nosso passado. Por onde começar? Eu diria que uma boa estratégia é tentar encontrar contra-evidências fidedignas. Sejam os “advogados do diabo” contra as vossas próprias opiniões.

 

E, finalmente, a questão chave: como é que podemos lutar contra a disseminação de teorias da conspiração? Antes de mais, não sejamos parte do problema acreditando nelas, claro! Partilhá-las como “piada” nas redes sociais também não parece boa ideia, pois nem todos irão considerar que se trata de uma piada. Não sejamos também nem indiferentes, nem desdenhosos, em particular quando as teorias da conspiração têm consequências. Por exemplo, as teorias da conspiração associadas à vacinação contra a COVID-19 têm graves consequências para todos nós, vacinados e não vacinados. Pessoas não vacinadas contribuem não só para um maior risco de aparecimento de novas variantes, como também contribuem para infecções entre aqueles para os quais a vacina não ofereça uma protecção efectiva e ainda colocam em risco os profissionais de saúde que poderão ter que tratar deles se forem hospitalizados.

 

Em que é que se deve traduzir o não ser indiferente? Será que compete ao governo e/ou instituições independentes promoverem o fact-checking (verificação de factos; o Polígrafo da Sic é um exemplo)? Será que devemos escrever artigos de opinião para jornais? Escrever em blogues? Definir posições no facebook? “Atacar” estranhos pela web? Tudo isso parece ter pouco efeito [2], pois o público que recebe a mensagem tende a ser apenas aquele que não precisava de a ouvir! Uma estratégia que se pensa ser mais produtiva consiste em cada um de nós olhar para os seus círculos sociais mais próximos: amigos e familiares. Identificam algum “conspiracionista”? É a esse que se devem dirigir. É preciso um esforço individualizado e pessoal para que se consiga ter algum sucesso em fazer com que alguém dê um passo atrás e considere com seriedade a hipótese de estar errado. Se quiserem ser um pouco ardilosos na abordagem, digam que estão indecisos e que querem que ele vos convença. Destruam os argumentos, um a um, e cheguem à conclusão oposta. Para o conseguirem convém que vós próprios estejam bem informados, que é o primeiro passo para evitarem vós próprios estarem errados!

 

De forma mais genérica, a luta contra a desinformação faz-se com Educação. Educadores, professores, pais e… filhos devem procurar estar informados e devem informar os seus educandos, promovendo espírito crítico e capacidade de encontrar fontes fiáveis de informação.

 

 

Escrito na lápide: “É tudo uma farsa.”
A ignorância mata. 

 

 

Bibliografia:


[1] https://phys.org/news/2016-01-evidence-bad.html


[2] https://www.theguardian.com/us-news/2021/jan/01/disinformation-us-election-covid-pandemic-trump-biden

 

 

Marinho Lopes

 

Fotografia de Marinho Lopes


Marinho Lopes é Doutor em Física pela Universidade de Aveiro.

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