Cultura

O holograma da ilusão | Artur Alonso

 

O que é o homem na natureza? Um nada em relação ao infinito, um tudo em relação ao nada, um ponto a meio entre nada e tudo” 

(Blaise Pascal)

Stephen Hawking e Thomas Hertog, em seu dia, chegaram a afirmar que após a explosão do Big Bang ter ocorrido, se originaram infinitos universos. Em um artigo publicado em “Journal Of High Energy Physics”, Hawking chegou a sustentar que o nosso universo é um holograma, uma imagem em duas dimensões.

O Holograma – do grego holos – inteiro e grama – sinal, escrita – é percebido, por nós, como um método de registo integral da informação, com a característica única de que cada parte dele possui, à sua vez, a informação do todo.

Esta distributividade se assemelha muito aquela magnifica visão da Rede de Indra, na mitologia indiana, onde cada uma das pérolas da rede reflete à sua vez todas as outras, sendo também refletida em elas… E aqui o universo como Holograma de Hawking também tem seu encaixe. 

Dado que a interação da rede natural da vida se assemelha também ao conceito de distributividade do holograma, a rede natural inserida na rede cósmica, neste holograma maior, talvez, se complementa?

E este conceito em nós, como essência contida em nosso DNA ou ADN, a semente que contém dentro de si o segredo da vida, não se assemelha também a um pródigo criado por uma Inteligência superior, uma realidade como mágica? Um holograma integral da nossa informação mais precisa?

O acordar psicológico com o mundo e as pessoas à nossa volta acorda em nós capacidades e características desconhecidas antes destas interações. Algo também muito mágico. De modo que esse olhar na pupila dos nossos irmãos e irmãs, animais e humanos, aparenta um olhar no nosso espelho interno… 

Mesmo o olhar de uma planta ou o seu aroma aparenta transmitir a nossos sentidos algum segredo oculto em nós, que quer despertar nesse instante…

Vamos acordando, com a experiência vital, como uma flor vai abrindo seu botão em maio, agradecendo o fresco do orvalho. Nesse acordar temos a sensação, quando avançamos e deixamos atrás as velhas caminhadas, que temos como despertado de um profundo sonho. 

Esse acordar sempre se faz por meio de um certo conhecimento. O conhecer daquela instrução contínua do viver, surpreender-nos, conturbar-nos, revoltar-nos, aceitar, entender e começar a interior mudança…

E, após muita queda e levantar-se, poder chegar a adivinhar o significado dessa contínua mudança. O significado do sentir do momento, do imprevisível também e das circunstâncias. Viver no agora – sentindo-nos esse ponto a meio entre o nada e o todo, como falou Blaise Pascal. Pode ajudar, talvez, a estar mais em contacto com o que nos rodeia. Interagir e sentir a vida.

 

O momento – o agora

 

A vida não é um problema a ser resolvido, mas uma realidade a ser experimentada” 

(Soren Kierkegaard)

A visão Orteguiana da circunstância como “momento existencial concreto” e a consciência desta mesma circunstância (como afirmava Paulo Freire) fazem do ser humano um agente da transformação. Pelo mero facto do ser humano ser consciente do momento existencial concreto ou da circunstância, ele se torna um agente da contínua mudança, no estar presente, pensar e agir.

O pensamento derivado desse viver no agora, no momento existencial, aceitando a circunstância permite já de per si o ser humano tornar-se um agente da transformação ao interagir com o meio, de forma aberta (aceitando). 

Ao mesmo tempo, permite observar modificando à vez a mesma circunstância, pois o observador, com a sua observação, já de por si modifica a circunstância; que, antes de ser observada, não tem o caráter próprio de circunstância (na sua aceção de: indício ou prova que conduz ao conhecimento da situação real de um fato).

No entanto, a observação do observador, mesmo aceitando a circunstância, vai conter dentro de si (daí a modificação do momento – efetuada em primeiro lugar na noosfera particular do indivíduo) variantes como: o estado anímico, a capacidade mental e institucional deste; da pessoa sujeita à experiência.

Também sendo influenciada, esta circunstância, pela relação do sujeito com um determinado arquétipo psicológico: que arquétipo tem predominância dentro do indivíduo, observador, quando este está observado?

Mesmo sendo uma observação consciente, presente (atenção no agora) e aceitando a realidade que está a vivenciar, seu estado anímico, sua capacidade de interpretação do momento e o arquétipo psicológico desenvolvido naquele concreto instante da observação, vão ajudar a determinar a observação mesma. Mais, todavia, vão moldar a impressão e a valorização (aprendizagem) tirada da experiência.

Esse arquétipo, por sua vez, vai estar psicologicamente ligado a um determinado mito, ligado também à tradição do lugar de nascença, da linhagem genealógica familiar e mesmo do local onde a observação está acontecendo. Tendo em conta, aqui, que todas as mitologias do mundo têm uma base – essência comum – sendo que seus mitos fazem referência a arquétipos universais, ainda marcantes na noosfera coletiva e no acervo psicológico comum ao género humano.

A raiz psicológica

 

Não importa por onde eu comecei, pois para lá eu voltarei sempre” 

(Parmênides)

Carl Jung resumia estes arquétipos psicológicos em doze – o doze dos ciclos- o doze dos discípulos: 1.- O inocente (otimista, sonhador); 2,- o sábio (lógico, criterioso, que procura a verdade) 3,- o aventureiro (que tenta vivenciar a liberdade. Ousado, inteligente) 4,- o rebelde (provocador, questionador. Que quebra as regras vigentes) 5,- o mago (inventor, intuitivo, visionário) 6,- o herói (da coragem, vitalidade, do protagonismo) 7,- o amante (da intimidade, da sensualidade, da intensidade) 8,- o comediante (da espontaneidade, diversão e da pouca importância com o julgamento alheio) 9.- o comum (o realismo, simplicidade, a pertença) 10,- o prestativo (a proteção do altruísta e compassiva) 11,- o governante (o líder sólido e excelente) 12,- o criador (o artista inovador e imaginativo).

Todos estes arquétipos estão em nosso interior, ainda tendo um predominante, outros se podem manifestar, em diversas situações, atendendo a um determinado momento e acordando, despertando nessa determinada experiência a necessidade de viver de um certo modo uma certa realidade.

Este momento, ativado o respetivo arquétipo, vai influenciar o resultado da mesma experiência. Levando também em consideração que uma personalidade pode manifestar a mistura de vários arquétipos, mantendo um principal como mais determinante da mesma: aquele que mais influencia no seu carácter.

Esse arquétipo referencial explica a raiz psicológica do nosso ser pensante, personalidade cambiante – mutável. Mas não do nosso Ser Imanente – Imutável- Aquele que intuímos está unido a esse mito criador – e, pelo tanto, de algum modo está fora das mudanças próprias do dinâmico holograma da perceção psicológica.

Intuímos que pode ser assim, mas não temos a completa certeza. Somos cientes de não existir a morte como aparentam propor todas as arcaicas mitologias, em seu transfundo? Realmente somos centelhas imortais, vivendo, vida após vida, uma experiência mortal, até atingir o potencial mais elevado do nosso Ser Imanente – Imutável, como afirma a mitologia indiana, a Cabala Hebraíca ou a tradição sufi?

Esse ser é de alguma forma o “observador silencioso” que contempla o nosso devir pela vida, como quem desfruta de uma obra de teatro, como parecem indicar-nos os diálogos de Ramana Maharshi? Esse teatro é o teatro dos sonhos que magistralmente nos mostrou Calderón de la Barca?

São estes arquétipos psicológicos, aqueles relacionados com o mito do herói do que nos falou Jospeh Campbell? Aquele “herói” que tem de vencer-se a si mesmo (diluir o eu psicológico?), para concretizar a imortalidade da sua essência? Essa união é o significado real das alegóricas “Bodas Alquímicas” de Christian Rosencreutz? O abraço entre a personalidade inferior e o Eu Superior?

Será este o sentido real da existência: a perfeição pela provação – superação e as marcas da experiência?

Os mitos parecem apontar nessa direção, ao abrir a nossa compreensão ao sentido da vida como um caminho transformador. Como uma jornada de evolução em etapas. Estamos a falar de várias vidas? Aquela verdade da reencarnação, como abalam as experiências do Dr. Brian Weiss, resumidas no seu livro “Muitas vidas, muitos Mestres”?

Finalizando essa jornada com o acordar para a Vida Eterna? Os mitos parecem indicar também essa direção… Mas os mitos estão pouco valorizados e mais bem desvirtuados em nossa flamante época de supostas materiais evidências. No entanto, a física quântica, se querer (sem saber?), abriu uma fenda…

Ao mesmo tempo, todas as mitologias do mundo desenvolvem suas personagens simbólicas com respeito a algum arquétipo universal dado que, em todas, intervêm os mesmos. Sendo que, segundo as diversas culturas, essas personagens revestem diversas características, mas representando o mesmo ideal. Eis aqui a riqueza do mito e da tradição como ensinamento transformador.

Karoline Aparecida de Oliveira Ribas, no seu trabalho “A Deusa e a mulher contemporânea” afirma: “O nascimento, o crescimento, a rutura dos laços maternos, a maturidade, o casamento e a morte são alguns dos ritos de passagem elaborados nos mitos e que repercutem na vida das pessoas – os mitos fornecem pistas valiosas na jornada do auto-conhecimento”.

 

A senda mágica

O caminho que desce e o caminho que sobe são os mesmos” 

(Heráclito)

Nitidamente, expressa aqui a doutora Karoline Aparecida, nossa ideia da vida como uma rota circular – senda de aprendizagem, “mito do caminho”, para enriquecer nosso ser, na procura de tornar de novo a fonte – “mito do regresso” mais enriquecido, abandonando a inocência do recém chegado – “mito do nascimento mágico” e voltando despojado da ignorância primeira e do apego aos primeiros estímulos materiais – “mito do renascimento”.

Sendo que todos estes arquétipos remetem a uma aprendizagem superior, que nos encaminha aquela unidade – Fonte da qual tudo surge: o Deus – Criador de todas as mitologias, nascido do Imutável, Presente, Incognoscível – Não Ser – Eterno.

Assim, a senda mágica procura de novo o caminho de volta àquela unidade. A volta pela encostada e espiralada senda da serpente da Cabala Hebraica – a subida, ascensão pela escada de Jacob – muito mais lenta, laboriosa, íngreme e sinuosa. Subida somente factível àqueles verdadeiros guerreiros ousados. Aqueles que puderam vencer a “Esfinge” – aquela que contém o segredo do bom caminhante e que Henri Durville na sua “Ciência Secreta” assinala assim: “ A cabeça da mulher, cujo olhar é vago e penetrante, diz SABER; os flancos do touro forte dizem QUERER; as garras do leão mandam OUSAR e as asas fechadas, apenas visíveis ordenam CALAR, recolhendo-se”.

Se perseveras na viagem dura e amarga, sabendo, ousando, querendo e calando, poderás talvez vencer as provas, e na vida que estiveres já acordado poderás chegar ao cimo da “árvore mitológica” da Cabala ou do Yggdrasil dos nórdicos e, por méritos próprios, ser reconhecido como Vencedor de Ciclo – O Vencedor pode voltar a penetrar no Palácio do Pai – da Mãe– e assumindo-se como Príncipe – Princesa, do sonho “mayávico” do holograma hipnótico da realidade material acordado.

Sendo que para nós o conceito de Deus – Criador em todas as mitologias remete para essa essência Una da manifestação, como Uma Inteligência Superior – dinâmica ou Mente Única que, por emanação – projeção, vai materializando os mundos (desde a palavra ou voz inicial do evangelho de São João) até à diversidade da vida; e as diversidades dos mundos. Mas essas diversidades têm a sua essência naquela inicial unidade.

Sendo que esse Deus -Criador mitológico, dinâmico, manifestado em sua manifestação e pelo tanto presente nela – surge do Imanifesto – Imóvel – Centro Infinito – Ilimitado, ao redor do qual o limitado – criado – e finito gira (tal como o poeta Rumi fez expressar em seus poemas e na dança do “Derviches rodopiantes” – tal como Nicolau de Cusa expressou em sua doutrina das emanações).

O termo “Deus” abrange toda a Natureza, física e super-física, o impulso evolucionário comunicado a ela e a irresistível força criadora que mantém o atributo de autorreprodução e a capacidade de expressá-la indefinidamente. Este conceito da Divindade inclui as Inteligências criadoras – os Elohim – que dirigem as manifestações e as operações de uma força criadora, o pensamento ou Idealização divina de todo o Cosmos, desde o seu início até ao final, e o “som” da “Voz” Criadora pelo qual esta Idealização é impressa na matéria do Cosmos. Todos estes, com todos os germes e todos os seres, forças e leis, inclusive aquela lei originária da harmonia, constituem a totalidade da existência a que nesta obra é dado o título de “Deus” – Afirmava Geoffrey Hodson no seu estudo intitulado “O Reino dos Deuses”.

 

A mente criadora

Nestes dois aspetos, principalmente, os homens são semelhantes a Deus: dizer a verdade e fazer o bem” 

(Jerónimo Usera)

A Mente Criadora Universal realiza seus trabalhos na matéria por meio das mentes criadoras inferiores que somos nós, nossos irmãos menores, os animais e nossos irmãos maiores, os anjos,  segundo a tradição judaico-cristã (com outros nomes em outras tradições). Nós somos co-criadores, extensão da Mente Única, com livre arbítrio para realizar a obra do “Todo”, conforme a lei natural e a lei universal. Mas que por incompreensão, ignorância, trabalhamos ao contrário da Mãe Natureza e da lei cósmica, ao contrariar a lei natural àquela lei cósmica ligada.

O desenvolvimento da ciência tem por missão a grandeza de compreender aquela lei natural e minorar a ignorância humana, ajustando nossas ações àquela nossa verdadeira vocação de ser os regentes e guardiões desta biodiversidade planetária.

Por sua vez, a psicologia e a psiquiatria, como ramos das ciências humanas da saúde, têm como fundamento alertar-nos sobre os mecanismos racionais e irracionais que nos fazem aprofundar nas nossas ignorâncias… Tentando dar um paliativo, na medida das duas competências, ao caminho auto-destrutivo, individual e coletivo no qual essa ignorância mergulhou a humanidade.

O desenvolvimento por sua parte do caminho místico tem como fundamento unir o ser humano com aquele Todo Universal, do qual se separou pela ignorância. Unindo em primeira instância os humanos entre si, através da irmandade dos mais despertos, que pouco a pouco com as suas ações irão irradiar seu amor livre de medo ao mundo…

Daí que todo caminho possa confluir.

E mesmo que como humanidade estejamos ainda muito condicionados pelo medo à morte, e pelos inúmeros medos a este medo primordial associados, à medida que outros seres humanos mais despertos vão chegando a toda a humanidade, nos permite seguir mantendo a esperança.

Esses seres humanos trabalhando no caminho da ciência, no caminho da arte, no caminho do bom e honesto negócio, no caminho da mística ou no caminho da transformação psicológica… Sendo dos bons e generosos, nobres de coração vão rasgando os véus negros da “noite de pedra” e permitindo criar fendas, que pela intensidade do poder solar do amor, nos trarão a sonhada alvorada.

Pois como fala o “iniciático” hino galego: “os tempos são chegados”.

O próximo grande salto evolutivo da humanidade será a descoberta de que cooperar é melhor que competir” 

(Prieto Metastasio)

 

“Uma vez sonhei que era uma borboleta, uma borboleta flutuando feliz pelo ares! Mas assim que despertei, percebi que meu corpo era humano, o mesmo de sempre, forte, compacto, de carne e osso. Porém, ainda totalmente tomado pelo prazer do vôo e pela sensação da liberdade das asas, pensei assim: Será que isso foi Chuang tse sonhando que era um borboleta ou a borboleta sonhando que era Chuang tse?” (Chuang Tzu, 389-286 a. C.)

 

 

 

Fotografia de Artur Alonso Novelhe

Artur Alonso: escritor com vários livros editados de teatro, poesia, ensaio e romance… Ex diretor do Instituto Galego de Estudos Internacionais e da Paz. Ex secretario do Instituto Galego de Estudos Celtas. Membro do Conselho Consultivo do Movimento Internacional Lusófono. Membro de Honra da Associação de Escritores.Mocambicanos na diáspora. Membro do Conselho de Redação da Revista Identidades, etc.

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