Ciência

O fim da Selva Amazônica e a desertificação do Sudeste do Brasil: uma conexão delicada | Wesley Sá Teles Guerra

O Brasil é um país abençoado por Deus, já dizia a famosa canção de Jorge Ben Jor. Com uma diversidade  ecológica e  climática que varia desde a exuberante floresta amazônica até às praias tropicais do Nordeste, a quase extinta mata Atlântica, passando pela savana (cerrado) do centro-oeste, pantanal, aos gelados picos da serra do mar, até à pampa no sul do país. 

No entanto, essa riqueza ecológica está intrinsecamente interligada, e a relação entre a selva amazônica e a formação de chuvas no Sudeste do Brasil possui uma conexão delicada que, quando perturbada, pode ter consequências graves. 

Ondas de calor, ressacas no litoral, sequías, furacões,  chuvas intensas nada têm a ver com profecias bíblicas ou à volta de Jesus, mas com a ação direta e deliberada do homem no Ecossistema e sua falta de respeito para com a criação ou o meio ambiente.

No passado… a cidade do Rio Janeiro, por exemplo… já enfrentou um longo período de estiagem devido à destruição da mata nativa, e foi somente com a recuperação da Mata Atlântica, por ordem de Dom Pedro II, que a famosa floresta da Tijuca voltou a recuperar os mananciais que alimentam as reservas na cidade.

Desde a COP92, a comunidade científica internacional vem alertando a humanidade dos efeitos do desmatamento e da poluição. O famoso relógio do fim do mundo, criado em 1947 que utilizava os conflitos armados e a tecnologia nuclear como base para sua contagem, foi substituído pelo fator ambiental e o impacto das ações do homem.

Já faz ao menos duas décadas que a humanidade sabia perfeitamente que com o incremento do desmatamento, o aumento da produção agrícola e o empobrecimento dos solos devido ao monocultivo, o uso de agrotóxicos, o incremento das emissões de poluentes e a demanda de alimentos e água levariam o planeta a um ponto de exaustão!

 

A maioria dos países consomem mais do que a capacidade produtiva e de reposição ecológica dos mesmos.

 

Em menos de 4 meses, a humanidade consome todos os recursos disponíveis para todo o ano, ou seja, vivemos em um contínuo deficit ecológico já faz décadas e, mais cedo ou mais tarde, o planeta iria passar a conta.

Talvez a relação bíblica usada por muitos faça sentido ao contemplar os acontecimentos, porém a mesma exime ao ser humano de sua responsabilidade no ocorrido.

Quando uma represa rompe e destrói todo o ecossistema de uma região não é um evento bíblico, quando as queimadas na Amazônia cobrem a cidade de São Paulo também não é uma profecia bíblica, mas a ação direta do ser humano que tenta se eximir de sua culpa e impelir ao resto da sociedade em aceitar aquilo como algo que “deve acontecer para a chegada do seu salvador!” Porém isso não tem nada a ver com Jesus Cristo, mas com a ação humana muitas vezes refletida no voto!

O maior contrasenso que existe na atualidade é de que os religiosos e conservadores, em lugar de se alinharem com as políticas de defesa ao Meio Ambiente e contrárias ao aquecimento global, são os primeiros a defender o desmatamento, o uso de áreas protegidas, o incremento do agronegócio, os garimpeiros contra os povos originários… e também apoiar o negacionismo, afirmando que o aquecimento global não existe quando deveriam ser os primeiros a exortar a população para ter o devido respeito ao meio ambiente ou, como eles, afirmar a criação teológica do seu Deus judaico-cristão.

 

Evangélicos fazendo “arminha” e apoiando a bancada dos Ruralistas, do agronegócio e contra a agenda2030.

 

Votar contra a agenda verde, contra os ODS e a Agenda 2030, de fato é o que está levando o planeta ao seu fim… Bater palmas quando o Brasil abandonou a agenda verde da ONU de fato é o que gera todos os problemas que teimam em afirmar que é uma questão religiosa…

Por esse motivo, neste artigo vamos explorar como o desmatamento na Amazônia contribui para a redução dos índices de chuva no Sudeste, potencialmente levando à desertificação.

 

A Importância da Amazônia para o Clima Brasileiro:

 

A selva amazônica é frequentemente chamada de “os pulmões do mundo”, mas sua influência vai além da produção de oxigênio pois atualmente sabemos que o maior gerador de oxigênio para a atmosfera são os oceanos. 

Porém, a Amazônia desempenha um papel crucial na regulação do clima global. Através do processo de evapotranspiração, as árvores liberam vapor d’água na atmosfera, formando nuvens e contribuindo para a formação de chuvas. Essa umidade é transportada pelos ventos para outras regiões do Brasil, incluindo o Sudeste, nos chamados rios aéreos.

 

A Amazônia está intimamente ligada à geração de chuvas.

 

Assim mesmo, o bioma da Selva Amazônica existe graças aos nutrientes levados pelos ventos desde o deserto do Sahara até à Selva, de modo que o planeta atua como uma grande máquina climática, onde cada elemento é importante.

Outro papel importante da Selva Amazônica é a fixação de dióxido de carbono pois no processo de fotossíntese das árvores, as mesmas captam o dióxido de carbono da atmosfera e transformam o mesmo em alimento, “fixando” o mesmo na estrutura das árvores e impedindo que este esteja circulando e dessa forma alimentam todo um ciclo de vida, pois os vegetais servem de alimento aos herbívoros que alimentam aos carnívoros e estes últimos ao morrer são decompostos por bactérias e fungos que nutrem os solos.

 

A selva atua diretamente na fixação do Carbono na superficie reduzindo sua presença na atmosfera.

 

Tudo em um perfeito equilíbrio que poderia ser considerado divino… 

Porém, ao incrementar o desmatamento e reduzir a área verde, o que se produz é uma redução da área de captação de gases, que afetam consequentemente todo o ciclo…

Conforme aumenta esse padrão de destruição, os efeitos começam a ser percebidos pelos humanos, que vivem no topo da cadeia…

 

São Paulo sob um manto de cinzas devido às queimadas.

 

Desmatamento e Alteração dos Padrões Climáticos:

 

Quando São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, etc, enfrentam grandes períodos de estiagem se deve principalmente ao fato de que os rios aéreos, formados pela condensação dos vapores produzidos durante o processo de fotossíntese das árvores da Amazônia, são insuficientes para formar as famosas áreas de convergência tropical… pois é necessário que o ar úmido da Amazônia (gerado pela evaporação) se encontre com o ar quente das regiões do sudeste, para formar as nuvens de chuva que alimentam rios e os reservatórios das cidades…

Ao não haver um fluxo contínuo, mas afetado pelo desmatamento e pelas queimas, a dinâmica de fluidos provoca ou bem a estiagem duradoura em algumas regiões ou inundações em outras… 

E embora o desmatamento na Amazônia tenha sido uma preocupação crescente na comunidade internacional, no Brasil ainda parece ser um fator de ideologia política, mesmo quando os efeitos afetam todos….

 A remoção das árvores não apenas compromete a biodiversidade, mas também interrompe os padrões climáticos. Sem a cobertura florestal, há menos vapor d’água sendo liberado na atmosfera. Isso significa menos formação de nuvens e, por sua vez, menos chuva na região Sudeste ou a formação de grandes massas de águas em pontos isolados. 

 

Consequências para o Sudeste do Brasil:

 

O Sudeste brasileiro, lar de grandes metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro, depende significativamente das chuvas regulares para as suas necessidades hídricas. A redução da quantidade de chuva devido ao desmatamento amazônico pode levar à escassez de água, afetando não apenas o abastecimento público, mas também a agricultura e a produção de energia.

Grande parte do que é o Brasil se concentra no sudeste, que muitas vezes por estar geograficamente longe da Amazônia, acredita que tanto o desmatamento como a invasão de áreas de reserva é um problema local e que não lhes afeta… Grande erro!

 

Impacto da Selva no Sudeste e Sul do país.

 

Pois quando comparamos o sudeste e sul do Brasil com outras áreas do planeta localizadas em sua mesma latitude, vemos que a tendência é que existam grandes desertos, porém na América do Sul temos a concentração da maior área produtiva graças à Amazônia e aos rios aéreos formados pela mesma, de modo que sem Amazônia, sem chuvas no sudeste e sem a economia que mantém o país!

 

A Ameaça da Desertificação:

 

A desertificação é um processo no qual uma área que antes era produtiva e ecologicamente equilibrada se torna cada vez mais árida e improdutiva. O Sudeste do Brasil a cada ano sofre com a redução drástica nas chuvas e nos reservatórios, o que  pode levar a uma degradação significativa do solo, tornando-o menos fértil e menos capaz de sustentar a vida vegetal, levando à desertificação dos mesmos.

A quantidade de recursos hídricos é cada vez maior, porém a capacidade de reposição dos mesmos está intimamente ligada à existência da Selva Amazônica. Inclusive o maior rio 100% Brasileiro, o Rio São Francisco, tem a sua nascente na serra de Minas Gerais, que depende diretamente das chuvas estacionais.

 

Seca do Rio São Francisco

 

O que nos leva à questão global… pois a região Amazônica depende também dos rios que alimentam e transportam nutrientes na mesma, mas esses rios em sua grande maioria nascem nos Andes graças ao degelo das montanhas, de modo que o incremento da temperatura no planeta provoca uma menor incidência de neve, o que leva a uma menor produção de água durante o degelo e que reduzem o fluxo hídrico dos principais rios… e francamente, se os religiosos não conseguem atribuir a esse perfeito ciclo ecológico atribuições divinas, deveriam repensar sua relação com a sua concepção da criação… pois o equilíbrio existe e vai além de fronteiras, partidarismos e ideologias políticas…

 

A Necessidade de Conservação e Desenvolvimento Sustentável:

 

Preservar a Amazônia não é apenas uma questão de conservação ecológica, mas também uma necessidade para garantir o equilíbrio climático no Brasil e no mundo. 

A implementação de práticas sustentáveis, a promoção da reflorestação e o desenvolvimento de atividades econômicas que respeitem a integridade ambiental são essenciais para proteger não apenas a floresta amazônica, mas também as regiões que dela dependem, indo além de siglas partidárias. Pois não podemos deixar a boiada passar… 

O desmatamento na Amazônia não é apenas uma questão local; é uma ameaça que se estende por todo o país e que afeta todo o planeta já que as massas de ar produzidas no sudeste viajam pelo globo até integrar as correntes que geram o clima no sul da África e têm impacto direto na temperatura do oceano e na dinâmica de fluidos do mesmo. 

O elo delicado entre a selva amazônica e a formação de chuvas no Sudeste do Brasil destaca a necessidade urgente de ações para preservar e restaurar ecossistemas. Somente através de esforços coletivos de conservação e desenvolvimento sustentável podemos garantir que a diversidade climática do Brasil continue a prosperar e que as gerações futuras não enfrentem as consequências da desertificação no Sudeste.

Não tem nada a ver com Jesus Cristo, tudo pelo contrário, tem a ver com a falta de respeito pelo próprio ambiente, pela ação humana e pelo que religiosos e não religiosos fazem da chamada “Criação”.

 

Fotografia de Wesley Sá Teles Guerra

 

Wesley Sá Teles Guerra, formado em Negociações Internacionais pelo Centre de Promoció Econômica del Prat de Llobregat (Barcelona), Bacharel em Administração pela Universidade Católica de Brasília, Pós-graduado em Ciências Políticas e Relações Internacionais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, MBA em Marketing Internacional pelo Massachussetts Institute of Business, MBA em Parcerias Globais pelo ILADEC, Mestrado em Políticas Sociais com especialização em Migrações pela Universidade de A Coruña (Espanha), Mestrado em Gestão e Planejamento de Cidades Inteligentes (Smartcities) pela Universitat Carlemany (Andorra) e doutorando em Sociologia e Mudanças da Sociedade Contemporânea Internacional. 

Atuou como paradiplomata e especialista em cooperação internacional e smartcities para a Agência de Competitividade da Catalunha (ACCIÖ – Generalitat de Catalunya), atualmente é colaborador sócio do Instituto Galego de Análise e Documentação internacional (IGADI) e do Observatório Galego da Lusofonia (OGALUS), Também participa como coordenador da área de Economia, Ciência e Tecnologia do CEDEPEM – UFF.

Idealizador e diretor do CERES – Centro de Estudos das Relações Internacionais, membro do Smart City Council, do IAPSS International Association for Political Sciences Studentes, do Consório Europeu para a Pesquisa Política, REDESS, Centro de Estratégia e Inteligência das Relações Internacionais e colaborador da ANAPRI.

Autor dos livros ”Cadernos de Paradiplomacia” (2021) e “Paradiplomacy Reviews” (2021) além de participar do livro “Experiências de Vanguarda, no ensino nos países lusófonos” publicado em 2021 pelo CLAEC e organizado pela Dra. Cristiane Pimentel. 

Professor, articulista e especialista: wesleysateles@hotmail.com




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