Política

Garimpo ilegal e mercúrio ameaçam a vida dos Yanomami | Jales Marinho

Foto de Nathalia Segato na Unsplash

No momento em que reverenciamos o Dia do Índio, em 19 de abril passado, lembramos também que é centenária e histórica a luta de resistência dos povos originários do Brasil, em especial dos povos Yanomamis e demais grupos indígenas da Amazônia, diante do avanço do agronegócio – com a soja e formação de pastagens -, da pesca predatória, contrabando de madeira e, principalmente, da ação do garimpo ilegal. O processo de quase extinção dos povos originários remonta o início da colonização do Brasil a partir do descobrimento, em 1500. Uma história trágica de massacre, espoliação das terras, doenças endêmicas e contagiosas, além da destruição da cultura e tradições indígenas. 

 

Nem se tem ideia de qual dessas ações seria mais danosa à sobrevivência dos povos indígenas e ao meio ambiente, mas o garimpo ilegal é o que se mostra mais devastador em razão da cobiça em relação às riquezas minerais. Além da ocupação ilegal – ação que desafia todas as iniciativas de combate do poder público federal -, o mais grave é o rastro de destruição do meio ambiente, assoreamento e contaminação dos cursos de água com mercúrio usado pelos garimpeiros, com graves consequências para a saúde do povo indígena. 

 

Em razão da sua extensão – cerca de 9,6 milhões de hectares – e das riquezas minerais, a área Yanomami tem sido a mais cobiçada, especialmente a partir de 1992, quando foi demarcada pelo Governo Federal. Como abrigava cerca de 26 mil indígenas, o Governo foi obrigado a expulsar das terras cerca de 40 mil invasores, o que agravou as tensões na região. 

            

Por isso, em 1993 eles foram vítimas de um massacre que a Justiça considerou o primeiro caso de genocídio oficialmente reconhecido no País. No ataque – “massacre de Haximu”-, 16 indígenas foram assassinados em conflitos com garimpeiros que invasores. A partir da década de 2000, já nos dois governos do Presidente Lula, os Yanomami foram se fortalecendo por meio de encontros regionais, além da participação em evento na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, para denunciar o avanço de projetos desenvolvimentistas em seu território. 

      

Esse fortalecimento se deu também a partir da adoção de políticas públicas dos governos Lula e Dilma Roussef, do PT voltadas à saúde preventiva e segurança alimentar tanto dos Yanomamis quanto dos povos indígenas em geral. Mas a situação se deteriorou a partir do advento de governos neoliberais, entre 2016 e 2022, com o afrouxamento da legislação e da flexibilização das ações de expansão do agronegócio e da exploração madeireira e de mineração. 

      

Tudo com a complacência do IBAMA e da FUNAI, órgãos que foram aparelhados por grupos de pressão sem qualquer compromisso com a proteção ambiental e a defesa dos indígenas. Esses e outros órgãos federais foram esvaziados e reprimidos em suas ações legais, o que permitiu aos invasores agirem livremente na região, tendo como consequência o avanço do desmatamento, da garimpagem ilegal e do contrabando de madeira. 

      

Além do elevado custo das ações de combate e repressão dessas ações ilegais na região, o Governo vem enfrentando inúmeras dificuldades para prestar assistência social, de saúde e sanitária, especialmente aos povos Yanomamis, que caminhavam praticamente para a extinção em face da omissão criminosa do Governo anterior até 2022. 

      

Mesmo não estimulando a ocupação das reservas pelo agronegócio e outras atividades, o governo Jair Bolsonaro, enquanto ironizava a luta em defesa dos povos indígenas, agia praticamente como parceiro de madeireiros, pescadores e garimpeiros ilegais, com a velha desculpa de que esses trabalhadores tinham nessas atividades a única fonte de renda. 

      

Uma prova dessa parceria eram as propostas de campanha do então candidato Bolsonaro, quando anunciava publicamente a abertura das terras indígenas para exploração da mineração, mas principalmente do garimpo; o que ficou evidente com o Projeto de Lei 191/2021, enviado ao Congresso Nacional em 2021, com o intuito de legalizar o garimpo e a instalação de outros empreendimentos produtivos na região.

      

Logo após a pose em janeiro do ano passado, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve que montar às pressas uma operação humanitária para tentar salvar diversos grupos Yanomamis, em especial crianças, da desnutrição e de graves doenças decorrentes da contaminação por metais pesados pela ação garimpeira ilegal. Embora mobilizando diversos Ministérios e até as Forças Aramadas, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e o Ministério dos Povos Indígenas, o Governo Federal está longe superar esses desafios. 

      

Além do empenho do Governo Federal, com apoio do Ministério da Justiça, da Polícia Federal e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente – IBAMA, a indústria do garimpo ilegal segue desafiando as ações do poder público. Só no atual governo já foram realizadas diversas operações da PF para a destruição de garimpos, de balsas e pistas de pouso clandestinas na área Yanomami e em outros regiões. 

 

A extensão do território amazônico e as múltiplas investidas da ação garimpeira ilegal tornam quase insuperável o desafio de repressão das forças de segurança. O governo, por meio da PF, também procura agir em diversas frentes de combate ao crime organizado na região. Além da abertura de inquéritos policiais para apurar as incursões ilegais, ainda no ano passado a PF, com autorização da Justiça Federal, realizou a operação Emboabas, de busca, apreensão e prisão de responsáveis já identificados em investigações anteriores.

      

A PF apontou indícios de contrabando de ouro da Venezuela, que ingressaria de forma clandestina no Brasil como pagamento pela exportação de alimentos por mercados de Roraima e do Amazonas. Escondidos no interior de caminhões que transportavam mercadorias, o ouro contrabandeado seria comprado por outros integrantes do esquema e enviado a empresas atuantes no ramo de exploração de ouro na região. O inquérito também apurou que os investigados no esquema teriam envolvimento com a exploração clandestina do minério na área Yanomami e em garimpos em outros estados. 

 

A operação foi realizada em conjunto com agentes da Receita Federal, visando identificar indícios de comercialização ilegal de ouro do Brasil para a Europa. Cinco garimpos, situados no Parque Nacional dos Campos Amazônicos, foram destruídos. Essa ofensiva prosseguiu com a segunda fase da operação Atalaia, que reprime a extração ilegal de minério de cassiterita no Sul do Amazonas.

      

Em outra frente, o governo enviou ao Congresso Nacional Projeto de Lei (PL) que prevê a rastreabilidade do minério extraído e impedir a legalização do ouro ilegal. Outro PL estabelece regras mais rígidas para a extração e comercialização de ouro na região amazônica e em outros estados. Com seu compromisso histórico com a defesa ambiental, o Presidente buscou reativar o Fundo Amazônico e retomar o contato com países europeus e da América do Norte com vistas à ampliação dos recursos para financiar ações na região. As contribuições ao Fundo somaram R$ 726 milhões em 2023 e R$ 680 milhões este ano.

      

Para ampliar as aflições do Governo, estudo integrado saúde-ambiente, sob a coordenação da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz), em parceria com a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), além do apoio do Instituto Socioambiental (ISA), constatou grave impacto ambiental do mercúrio na saúde dos povos Yanomami e outras comunidades indígenas.

      

A pesquisa, realizada em nove aldeias Yanomami em Roraima, mostrou a presença de mercúrio em amostras de cabelo de 300 indígenas. Os maiores níveis de exposição ao metal foram detectados em indígenas que vivem nas aldeias localizadas mais próximas aos garimpos ilegais de ouro. A pesquisa incluiu crianças e idosos. 

      

A pesquisa mostrou, ainda, que a exposição ao mercúrio, tanto nos rios, quanto com o consumo de peixes contaminados, aumenta a manifestação clínica mais severa de outras doenças, em especial nas crianças indígenas. Entre as incidências, os pesquisadores constataram déficits cognitivos e danos ao sistema nervoso nas extremidades do corpo.

      

Essa constatação demonstra o elevado nível de contaminação por metais pesados, já que a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera que níveis acima de 6 microgramas de mercúrio por grama de cabelo (μg.g-1 ) podem acarretar danos severos à saúde, principalmente de grupos mais vulneráveis. Segundo o estudo, das 287 amostras de cabelo examinadas, 84% registraram níveis de contaminação por mercúrio acima de 2,0 µg/g. Outros 10,8% ficaram acima de 6,0 µg/g, índice considerado alto, exigindo maior atenção e investigação complementar sobre os danos à saúde. 

      

Preocupado com os efeitos danosos do mercúrio, Dario Vitório Kopenawa, dirigente da Hutukara – Associação Yanomami (HAY), reconhece que o garimpo é o maior mal existente nas terras Yanomami. E alertou para a necessidade de medidas de desintrusão, com a retirada dos invasores das áreas preservadas. Segundo ele, com a manutenção do garimpo, permanece também a contaminação, devastação, doenças como malária e desnutrição. E lembrou que essa é a prova concreta constatada pela pesquisa.

      

Das 47 amostras de peixes analisadas, 14 de água e sedimentos, todas apresentaram algum grau de contaminação por mercúrio, sendo as maiores concentrações detectadas em peixes carnívoros, como piranhas e mandubé, espécies muito apreciadas na região. Com relação ao risco decorrente do consumo de pescado, o estudo revelou, ainda, que a ingestão diária de mercúrio excede em três vezes a dose de referência indicada pela Agência de Proteção Ambiental do governo dos Estados Unidos (U.S.EPA). 

      

Em exames clínicos para identificar doenças crônicas não transmissíveis, como transtornos nutricionais, anemia, diabetes e hipertensão, o cruzamento dos dados indicou que nos indígenas com pressão alta, os níveis de mercúrio acima de 2,0 µg/g são mais frequentes do que nos demais pacientes com pressão arterial normal. 

      

Nos exames clínicos em 80% dos pesquisados houve incidência de malária ao menos uma vez na vida, média de três registros da doença por indivíduo. Cerca de 25% das crianças menores de 11 anos mostravam sinais de anemia e cerca de 50% tinham desnutrição aguda. Além do déficit de estatura em 80% dos menores, o que demonstra desnutrição crônica, conforme os parâmetros da OMS.

      

Os autores da pesquisa recomendaram algumas ações emergenciais, como o fim da ocupação garimpeira nas áreas indígenas e a construção de unidades de saúde na Terra Yanomami. Como ação estruturante, a atualização da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (Pnaspi) e a presença regular de profissionais de saúde, além da capacitação de agentes indígenas de saúde.

  

Ou seja, o Governo Federal tem que reforçar a presença do Estado nas áreas amazônicas, ampliar a parceria com países vizinhos e os Estados da região e buscar o apoio de países e organismos internacionais comprometidos com a defesa ambiental e a proteção dos povos originários. Além de maior empenho para a ampliação das contribuições ao Fundo da Amazônia.

 

Fotografia de Jales Marinho

Jales Marinho, Jornalista e Advogado.

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