A grande onda conservadora parece ainda não ter chegado ao auge. Várias pesquisas e estudos indicam que a maioria da humanidade, hoje, se abriga no autoritarismo. Pode-se questionar a metodologia, o próprio conceito fugidio de democracia, mas parece inegável que o obscurantismo se fortalece no mundo.
Basta o exame das chamadas grandes potências, que nos fornecem o autoritarismo em sua face mais pura ou um simulacro de democracia.
A Rússia elimina fisicamente os opositores e a gestão Putin já dura um quarto de século: o governante mais longevo desde o tempo de Stalin. Não há liberdade de imprensa e se prende à luz do dia. Na China, combina-se economia de mercado com o modelo burocrático-autoritário da era comunista. Seus opositores também são encarcerados ou “somem” do mundo.
No caso dos EUA, um simulacro ainda corre perigo com a candidatura Trump, mesmo tendo coordenado a invasão ao Capitólio, o que jamais se imaginaria na história americana. E as pesquisas já o colocam à frente na disputa eleitoral deste ano, mesmo em apertada margem.
O que chama atenção é a tendência. O apelo popular ao autoritarismo como a melhor forma de enfrentar os males da globalização e da crise atual entre os mercados controlados pelas grandes corporações. Uma saída pelo autoritarismo, rompendo o ciclo democrático que se iniciou com a Segunda Grande Guerra.
O exemplo americano é o mais impactante, pela influência no mundo ocidental. Hoje se sabe que o Chefe do Estado-Maior dos Estados Unidos, Mark Milley, planejou junto a outros militares, maneiras, nada usuais, de parar Trump caso ele tentasse decretar um golpe de estado após as eleições, segundo livro-reportagem de jornalistas do Washington Post.
Exatamente como aconteceu no Brasil, seja nos momentos que se seguiram após a derrota de Bolsonaro como depois da posse, com a invasão dos prédios dos três poderes, espécie de réplica nacional da invasão americana. Foi decisiva a recusa militar, principalmente da cúpula do Exército, na aventura golpista. A onda autoritária avança na América Latina e, mesmo o Brasil, de Lula, está preso à lógica e à pauta do conservadorismo.
Zygmunt Bauman antecipou, um pouco, esta onda. E sua justificativa principal se abeberou da lição de Freud: o ser humano é um pêndulo. Os extremos seriam a liberdade e a segurança. Quando se necessita de mais segurança, cede-se liberdade. E vice-e-versa. Vivemos uma era de insegurança e se tolera a perda da liberdade. Experimenta-se o esfacelamento das fronteiras e economias nacionais, mas também da família, da religião e o avanço da criminalidade e da migração. São temas que a democracia se mostra lenta e incapaz de uma solução, erodindo sua credibilidade e aposta no futuro.
Num outro extremo, não se trata, apenas, do avanço do conservadorismo, mas da ultradireita e de ideias que se imaginavam sepultadas pela história. Amos Óz advertiu, já no fim da vida, que a história começara a esquecer dos horrores do nazi-fascismo e do stalinismo. As novas gerações são anões nos ombros de gigantes, como vaticinou outro grande: Umberto Eco. Eis aqui outro aspecto: o perecimento dos grandes intelectuais universais, num mundo altamente especializado.
Mas gostaria de apontar outro fator determinante: a solidão humana na era das redes sociais. A bolha formada pelo monolítico das ideias que nos cercam é um caldo de cultura ao obscurantismo. A solidão se abriga, se conforta, no autoritarismo; é sua face externa quando a bolha é rompida. Os laços sociais já se desvanecem no agigantamento do Eu. É onde o autoritarismo arrebanha seus diletos seguidores. Em todo mundo.
Flávio Sant’Anna Xavier é Procurador Federal desde 1997. Autor de obras e artigos jurídicos na área do Direito Agrário e Administrativo. Autor do livro de contos “Guris” (2016).