Política

1964: o golpe consumado | Marcelo Mário de Melo

Foto de Raphael Nogueira na Unsplash

1964: O GOLPE CONSUMADO

 

João Goulart tomou a iniciativa de uma mobilização, a partir de 1964, objetivando o encaminhamento de profundas reformas sociais e políticas no país. A culminância desse processo foi o célebre comício do dia 13 de março, na Central do Brasil, no Rio de Janeiro.



Em matéria publicada no seu número 141, de 21 a 27 de março de 64, o jornal do PCB, A Hora, comentou.



“Diferentemente de atos anteriores, o comício da Central caracterizou-se pela afirmação de importantes medidas concretas por parte do presidente Goulart, que vinham sendo reivindicados pelos movimentos nacionalista e popular.



“Momentos antes de dirigir-se para a Central, o presidente da república assinava no Palácio das Laranjeiras dois decretos, o que considera de utilidade pública, para efeito de desapropriação, as áreas marginais às estradas, açudes e outras obras públicas, assim como o que encampa e incorpora à Petrobras as refinarias particulares de petróleo. Ontem, outro importante decreto foi assinado por Jango, o que tabela os aluguéis de residências.”



“Por outro lado, ao dirigir a palavra ao povo, o presidente João Goulart assumiu novos compromissos: o de bater-se resolutamente ao lado do povo para que sejam logo efetivadas as reformas de base e alterada a constituição naquilo que constitui um entrave à ampliação da democracia e à realização das transformações
estruturais”.



Mas de repente, o esquema militar de João Goulart evaporou-se e o presidente pegou um avião para o Uruguai. Com o Palácio cercado, Miguel Arraes gravou um pronunciamento à população reafirmando suas posições políticas. E recusou-se a negociar com os golpistas utilizando dois argumentos muito simples.



Primeiro, seu mandato tinha sido dado pelo povo. Segundo, tinha nove filhos e queria um dia olhar para todos eles nos olhos contando essa história. Pelópidas Silveira, que a tudo assistiu, saiu do palácio do governo e assumiu o seu posto na Prefeitura do Recife, dizendo: “eu tenho que ser preso na Prefeitura.



CRUELDADE  – Os dois destaques cruéis do dia primeiro de abril de 1964, no Recife, foram o desfile sádico do sexagenário comunista Gregório Bezerra nas ruas de Casa Forte, ensanguentado e arrastado por uma corda amarrada ao pescoço, e o metralhamento de uma passeata de estudantes armados com o hino nacional e escudados na bandeira brasileira, sendo mortos Jonas Barros, jovem comunista do Ginásio Pernambucano, e Ivan Aguiar, estudante comunista de Palmares, aprovado no vestibular para a Escola de Engenharia.



O impedimento de Pelópidas Silveira foi aprovado na Câmara com o voto de Liberato Costa Júnior, assumindo o vice-prefeito eleito Augusto Lucena. O governo do estado foi ocupado pelo
vice de Miguel Arraes, Paulo Guerra, do PSD, que nomeou Marco Maciel como oficial de gabinete.



SEM CONFRONTO – No dia 31 de março David Capistrano teve um encontro com Miguel Arraes. Queria armas para resistir ao golpe. DIz Miguel Arraes:



“David tinha participado de outras lutas. Achava que uma resistência armada devia se dar. Eu fiz ver a ele que tínhamos de medir as coisas de maneira mais geral, e que nenhuma dessas possibilidades poderia ser descartada, mas não poderíamos agir sem uma coordenação qualquer fora do estado.



Eu tinha sido encarregado por Jango de fazer um balanço rápido da situação dos outros estados, para uma contraposição ao que estava ocorrendo no Sul. Somente três governadores apoiavam o governo: eu, Seixas Dória e Bagder da Silveira. Também não temos preparação, numa situação em que forças federais estaduais não eram solidárias ao governo. Algumas medidas haviam sido tomadas mas havia condicionamento para um tipo de ação. Tínhamos pouca gente na polícia. E o palácio do governo era indefensável, pois era apto para batalhas do século 17. Para resistir, tÍnhamos de sair. E para sair, tínhamos que declarar, e já sair numa posição de força. Falei com Jango entre o dia 31 de março e o primeiro de abril e vi que ele não resistiria. Desde a crise da legalidade, com a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, Jango tinha optado por soluções negociadas.”

(Do livro Entre Teias e Tocaias, Perfil Parlamentar de David Capistrano, Marcelo Mário de Melo, Edição da Assembleia Legislativa de Pernambuco)

Legenda “1964: o golpe consumado_1”:

fotografia de Marcelo Mário de Melo

Nota biográfica: Marcelo Mário de Melo é jornalista, escritor e ex-preso político do Brasil. Nasceu em Caruaru, no interior do estado de Pernambuco, e veio para o Recife em aos nove anos. Escreve poemas, histórias infantis, minicontos, textos de humor e teatro e notas críticas.

Vê a elaboração poética como o olhar que mergulha e voa, o espirarco-íris de portas abertas e andantes, sintetizando o pensentir humano nos mergulhos introspectivos, nas interações sociais e nas viagens cósmicas.

Tem diversos livros publicados, de literatura e jornalismo, sendo o último deles o Literavida Historias e Casos.

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