Ciência

Teorias da conspiração – parte I | Marinho Lopes

 

Ninguém gosta de se enganar nem de ser enganado. Ninguém gosta de ser otário. Ninguém gosta de poder ser considerado idiota ou ignorante. Estas são emoções fortes que podem facilmente condicionar os nossos julgamentos. Parte do charme das teorias da conspiração reside na promessa de que ao acreditarmos nelas estamos a elevar-nos acima do “rebanho” que acredita na explicação oficial. A “conspiração” está na suposição de que a explicação oficial serve para nos manipular. Um conspiracionista é, portanto, alguém céptico, mas que, em muitos casos, se esquece de aplicar o cepticismo à sua própria crença.

 

Uma teoria, seja ela conspiracionista ou não, nasce da nossa capacidade em reconhecer padrões. Da nossa habilidade em reconhecer “peças” e de com elas formar um “puzzle” que constituí uma explicação. A teoria será “conspiracionista” se propuser que há uma conspiração, isto é, que haja uma ocultação propositada da mesma por algum tipo de organização ou governo.

 

Como é que sabemos se uma teoria é verdadeira ou falsa? Só existe uma forma: o método científico (ver edição 31 da InComunidade, artigo “Criar Ciência”). Isto é, para confirmar uma teoria precisamos de encontrar evidências que a suportem. Mas o método não se fica por aqui!! É também necessário tentar encontrar evidências que a refutem! Por mais sentido lógico que encontremos numa teoria e por mais evidências que tenhamos em seu favor, pode bastar uma só evidência contra para que a teoria tenha que ser considerada falsa.

 

 

Note-se que isto permite que haja teorias da conspiração verdadeiras! Na História há alguns exemplos. Um dos mais notórios foi a teoria de que o governo norte-americano financiava um projecto em múltiplas instituições para realizar experiências em humanos com o intuito de ampliar/manipular capacidades humanas. O projecto existiu mesmo, chamou-se Projecto MKUltra (já aqui falei dele).

 

 

De forma mais genérica, pode-se até afirmar que as conspirações têm sido comuns na História (com ou sem teorias associadas). Por exemplo, é recorrente na História das guerras a fabricação de motivos para que um governo possa declarar guerra a outro de forma a ter uma justificação aceitável pelo povo e pela comunidade internacional.

 

Isto significa que assumir que todas as teorias da conspiração são falsas é potencialmente ingénuo e até perigoso. Distinguir o que é verdade e o que é falso pode ser muito difícil, em particular se de facto existir uma conspiração.

 

Dito isto, nem sempre é difícil. Será que a Terra é plana? Claro que não. Não vou aqui fazer o debunking, mas menciono, por exemplo, o artigo “Medições Astronómicas” que publiquei na edição 70 da InComunidade, onde mostro como é que os Gregos calcularam o raio da Terra e que usa em si próprio noções incompatíveis com a Terra ser plana. Por outro lado, duvido que as demonstrações com base na ciência sejam as mais bem sucedidas para convencer estes conspiracionistas a reconhecer que estão errados. O facto de acreditarem em tal absurdo sugere que não receberam educação adequada na escola e, como tal, não será uma curta explicação que irá suprimir as lacunas que têm. Do meu ponto de vista, uma abordagem pragmática talvez seja melhor.

 

 

Em discussões informais de “café”, para mim o critério chave é a plausibilidade. No caso da Terra ser supostamente plana, qual o propósito da “conspiração” de afirmar que não o é? Se uma conspiração não serve um propósito, não é plausível. E, mais importante que isso, como é que seria possível manter tal segredo a nível internacional? Alegações sobre conspirações que dizem respeito a factos que podem ser testados de forma independente por múltiplas entidades são sempre muito improváveis pela simples razão dessas múltiplas entidades terem (por norma) interesses distintos.

 

 

O Homem foi à Lua em 1969? Claro que sim. A espionagem russa teria facilmente desmascarado os americanos se eles tivessem encenado tudo. (O próprio risco de serem desmascarados tornava a ideia de uma encenação demasiado perigosa para a imagem do país.) Se houvesse mérito nas tentativas de refutação do feito, a comunidade científica internacional não ficaria calada apenas para agradar aos americanos.

 

Será que as vacinas servem para o Bill Gates implantar chips em toda a gente? Claro que não. Primeiro, nem o Bill Gates tem dinheiro e influência suficiente para comprar todos os governos do mundo (já para não falar que a ligação dele com estas vacinas não é assim tão directa). Segundo, com que propósito é que ele o faria? Para manipulação e controle seria mais fácil fundar uma nova rede social… Terceiro, a tecnologia não existe. Se existisse, porque é que teria que ser administrada nestas vacinas que estão sob tanto escrutínio?

 

De facto, o critério da plausibilidade deita por terra praticamente todas as alegações conspiracionistas de carácter científico. Porquê? Por causa do carácter múltiplo e independente da comunidade científica. Os cientistas são pagos por dinheiros públicos e privados e mesmo que estes muitas vezes possam pretender financiar uma dada tese pré-concebida, a verdade é que as várias fontes de financiamento não têm todas os mesmos interesses! Além disso, e não menos importante, para se publicar um artigo científico é necessário apresentar provas e conseguir convencer outros especialistas na área. O sistema científico não é perfeito, mas é suficientemente eficiente para que as teorias da conspiração sobre ciência sejam absurdas. Note-se, aliás, que a competição pela notoriedade promove o teste recorrente às teorias da conspiração! Uma teoria da conspiração provada como verdadeira seria um escândalo de proporções gigantescas e qualquer cientista gostaria de ser o herói que o conseguisse demonstrar! (Não só pela popularidade, mas também porque o reconhecimento científico conduz a mais e melhores oportunidades futuras de investigação e financiamento.)

 

 

Assim, reconhecendo que a plausibilidade de ter a comunidade científica toda “comprada” é nula, resta ao conspiracionista acreditar que os cientistas são todos idiotas… Portanto, além de plausibilidade, é também necessário invocar humildade! Reconhecermos que podemos ser ignorantes e idiotas não é fácil.

 

 

De onde vêm as teorias da conspiração? Porque é que parece que somos tão susceptíveis a elas? Como combatê-las e evitá-las? Na próxima parte irei responder a estas e a outras questões!

A relação entre o SpongeBob e os ataques do 11 de Setembro: os dentes do SpongeBob representam as torres gémeas enquanto que “spongebob” tem 9 letras e “squarepants” tem 11. “Coincidência? É o que querem que tu penses!”

 

Marinho Lopes é Doutor em Física pela Universidade de Aveiro.

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