Sonhos vazios | Alanito Rungo Novela
Uma carta à lua
Escrevo-lhe nesta noite
com os olhos caídos sobre o telhado
que há por cima de si
Escrevo-lhe como se não quisesse falar
a língua das estrelas,
De novo escrevo-lhe, como se desta vez
quisesse abraçar-lhe sobre a sombra
que o mar bebe de si
Escrevo-lhe como se já soubesse
do teu desejo de nunca mais deixar a terra.
***
Tudo em mim
O mar em mim,
todos esses desertos, excertos
as noites ludibriadas pelo vento
as raízes que se estendem
sobre o solo plantado nos olhos
Os perigosos beijos do sol
sobre o Binga da minha alma
Há em tudo um miradouro
que às vezes é matadouro
possuindo-se de mim.
***
O amor
Cheguei,
desta vez com o peito entre as mãos,
o coração não perdoa, o mar dentro dele
anseia as tuas ondas para nunca mais
sentir-se incompleto.
Cheguei,
desta vez com a seca pescando a margem do rio,
os olhos, a lua que há dentro deles
recusa-se a encantar outras deusas.
Cheguei,
desta vez não vim amar-te
venho obrigar-te a amar-me
igual faz a noite aos sonhos.
***
Como se anjos existissem
Hoje vejo o chão do céu
desabar sobre os pilares da tua alma,
as velocidades com que se sobem
os céus, fogem-te do controle
Vejo as manhãs anoitecerem em ti
como luas nuas no pôr do sol.
A tuas mãos trémulas, o coração
são só cinzas pertencendo aos anjos
E tu ali, fingindo mais um sorriso,
depois outro e mais outro
como se o teu corpo não importasse,
digo: como se anjos existissem.
***
Outro rio em mim
Essa agulha, mergulhe em mim
caminhe sobre a noite dos meus olhos
faz-me perder o chão da razão
cultive todas as machambas,
as montanhas, suba, desça
até beber-me todo este fôlego
Depois mergulhe outra vez
até não haver em mim outro rio
que tu possas afundar.
***
Criação
Pousas em mim,
há uma manada de vazios
com a vontade de habitar-te,
não há frio que impeça seus mergulhos
As regras, as ideias, a gramática
nada disso importa
ficamos só nós esta noite,
nem o sono, talvez a angústia
de ao partires levares-me a prova
de ter beijado, amado
toda a sua inquietude.
***
Silêncios
Há na luz um vazio
rodopia sobre as margens
do que ainda está para ser.
É para que nunca mais
seja o rio onde as vozes
se molhem de medo
de abraçar tantas insignificâncias.
***
Caminhos da vida
1.
Viver
é causar a própria morte
como fazem os versos ao poeta,
este pobre coitado
2.
O futuro
é uma luz que nunca brilha,
está sempre emprestando-se
e acabando antes de (re) existir
3.
O mar
o que faz afinal
adormecido sobre as ondas,
não era para ser um espelho viandante?
A morte
é a sensação de ser incompleto
onde nem se sabe o que é ser completo.
Papá
1.
Qual esta bandeira
içar sobre o país dentro de ti
2.
A tua voz
continua a iluminar esta pequena ilha
3.
A saudade
vai corrompendo o vazio em mim
4.
As cicatrizes,
domestiquei todas elas
já vivem sem tentar ferir-me.