Ratos são criaturas pavorosas, horrendas. Transmissores de peste, hospedeiros de carrapatos, depositários de tifo. É preciso combatê-los, expurgá-los, exterminá-los com limpeza e determinação.
Dizem que foi com a invasão dos vândalos, que viviam nas costas do Báltico e dos hunos, que vieram do planalto asiático, que os ratos se introduziram na Europa Central e daí foram até à França, para mais tarde atravessar a Mancha, invadir a Inglaterra e, depois, se disseminar pelo mundo, por meio dos navios.
Ratos nos remetem a Oswaldo Cruz (São Luiz do Paraitinga, 5 de agosto de 1872-Petrópolis, 11 de fevereiro de 1917), cientista brasileiro que estudou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e no Instituto Pasteur, em Paris, onde realizou trabalhos sobre toxicologia. Diretor do Serviço Sanitário do Rio de Janeiro. Em 1903, empregou todos os esforços para erradicar três moléstias que vitimavam o carioca: a peste bubônica, a varíola e a febre amarela. Comandou uma verdadeira guerra contra essas doenças e contra a ignorância. Certa ocasião, diante da oposição do povo em serem aplicadas medidas enérgicas de profilaxia, pediu demissão. O Presidente da República, Rodrigues Alves, recusou-a e deu-lhe apoio integral na execução de sua obra de higienista.
Desde a primeira batalha, em 1900, contra a peste bubônica no porto de Santos, Oswaldo Cruz permanecia na linha de frente no combate a essa epidemia. Reuniu uma brigada de cinquenta homens, imunizados com soro antipestoso, que saíam pelas ruas com ratoeiras e venenos, à caça dos maléficos roedores. Enquanto isso, zombando, o povo cantava: “Rato, rato, rato/ Por que motivo tu roeste o meu baú?”, acompanhando a melodia do “homem da corneta”, que percorria as ruas comprando cada rato por 300 réis. Fora a solução encontrada por Oswaldo Cruz para vencer a resistência da população e liquidar em três meses com a peste.
As cidades medievais, construídas ao acaso, propagavam todos os perigos inerentes à vida urbana. Na sua densa aglomeração de casas de madeira, construídas ao longo de tortuosas vielas, uma simples fagulha se transformava em chamas, que consumiam bairros inteiros.As cidades eram também incubadores de moléstias. Superpovoadas, com suas fontes de águas poluídas, seu serviço sanitário primitivo, as ruas pululando de porcos e ratos que transmitiam tifo e gripe. A pior de todas as epidemias, a peste bubônica, fez terrível mortandade na Europa por volta de 1340. Muitas cidades da França e da Alemanha partilharam a sorte de Veneza que perdeu três quartos de sua população. Uma fúria medonha destruiu as cidades. Por toda parte, os sobreviventes tinham dificuldades para enterrar seus mortos, o que concorria para maior mal.
No conjunto de poemas que denominei “Senhora do Castelo”, está o poema “Ratos”:
Há ratos por toda parte em meu castelo:
Na cozinha,
No porão,
No estábulo,
No paiol.
Ouço os roedores
Triturando,
Passando sorrateiros
Como chispas,
Chibatas negras.
Minha língua está seca,
Sinto náuseas,
Arrepios,
Só de pensar nessa fúria medonha
Que assola meus alicerces.
Lá fora
Defuntos são sepultados
Em valas fundas,
A morte é um manto de sangue e fezes.
Há ratos por toda parte em meu castelo,
À noite,
Zelo para que não me beijem.
Li esse poema em voz alta para meu filho, na época adolescente.Ele me surpreendeu perguntando se era um poema sobre a AIDS. AIDS? O contágio, a peste, a contaminação, os seres copulando como ratos, temendo-se uns aos outros, todos transmissores secretos de sexo e morte. O sangue gelou em minhas veias, quando ele saiu para a rua.
A escritora Raquel Naveira é brasileira, nasceu em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no dia 23 de setembro de 1957. Formou-se em Direito e em Letras pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo. Título de Doutor em Língua e Literatura Francesas pela Faculdade de Nancy. Deu aulas de Literaturas Brasileira, Latina e Portuguesa na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), onde se aposentou. Residiu no Rio de Janeiro e em São Paulo onde deu aulas na Universidade Santa Úrsula (RJ) e na Faculdade Anchieta (SP). Deu também aulas de Pós-Graduação na Universidade Nove de Julho (UNINOVE) e na ANHEMBI-MORUMBI de São Paulo. Palestras e cursos em vários aparelhos culturais como Casa das Rosas, Casa Guilherme de Almeida, Casa Mário de Andrade. Publicou mais de trinta livros de poesia, ensaios, crônicas, romance e infantojuvenis. O mais recente é o livro de crônicas poéticas LEQUE ABERTO (Guaratinguetá/SP: Penalux). Escreve para várias revistas e jornais como Correio do Estado (MS), Jornal de Letras (RJ), Jornal Linguagem Viva (SP), Jornal da ANE (Brasília/DF), Jornal “O TREM” (MG). Pertence à Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, à Academia Cristã de Letras de São Paulo, à Academia de Ciências e Letras de Lisboa e ao PEN Clube do Brasil.