Poesia & Conto

Notas sobre poesia | Marcelo Mário de Melo

Foto de Jon Tyson na Unsplash

– A poesia ajuda ao raciocínio lógico e as análises teóricas alargam o leito poético. 

– Não confundir emotividade com poesia. Nem toda comoção conduz ao poema. Muitas vezes, uma festa, uma farra, uma caminhada, uma conversa, uma sessão de terapia, a solução do problema x ou y, elimina a febre “poética”.

– O produto poético é expressão elaborada, tradução de vivência, construção. Isto vale para todas as linguagens artísticas.

 – A elaboração poética é um processo de reconhecimento sensível em deslocamento de palavras procurando corporificar irrupções vindas em ondas de ideias, sentimentos, sensações e associações sonoras, rítmicas, visuais, evocativas, propositivas e casuais. Trata-se de um modo específico de empalavração.

– A poesia é a dança das palavras. A dança é a poesia do corpo. A poética é a essência comum a todas as artes. O discurso poético deve acionar uma dinâmica de fogo e vulcão. As palavras como chamas e lavas. A palavra deve ir além das limitações das relações reais. Deve liberar sonhos engavetados, calcar as tenazes da vida e recompor as asas do pássaro-pessoa. A palavra como negação propulsora do real comezinho, o dedo acusador que expõe e espreme os tumores da vida. As palavras como dedos irmanados nos movimentos das mãos compondo novas sinfonias. 

– Pessoas de filiação filosófica idealista colocam a espiritualidade como uma resposta ao consumismo. Na vertente materialista, e considerando a religião como a filha desnaturada da emoção e da poesia, apresenta-se a poeticidade como o contraponto mais adequado. A dimensão da poesia, envolvendo as ebulições íntimas, as relações sociais e as correlações cósmicas, pode ser uma excelente ferramenta anticonsumista a ser utilizada, ecumenicamente, por crentes e descrentes. E o termo poeticidade é utilizado aqui no sentido amplo de artisticidade, e não restrito à arte poética, situada no campo da literatura. 

– Além das raias restritas da utilidade imediata, a sensibilidade poética possibilita uma visão de recuo e antevisão em que o aqui e o agora se situam no panorama mais amplo dos grandes movimentos da vida e das suas especificações microscópicas, envolvendo encantos e espantos, pontes e abismos, ousadias e medos, avanços e recuos, verdades e mentiras, pus e seiva, falar e ouvir, agir e refletir, chorar e sorrir, andar, correr, saltar, marchar, rastejar, desfilar e dançar.

– Olhar os céus com os pés plantados na terra. Planar nos céus contemplando as amplas paisagens da terra. 

– A vida e a sua ausência de asas. E os vôos sobre a vida para exercitar nossas asas. 

– Por uma poesia aberta e andante, que expanda os estalos do mundo e as tremuras da nossa intimidade.

– Dançamos com as musas, saciamos sua sede, sorvemos seu fogo e as fazemos relaxar e dormir. Depois, saímos soltando labaredas pelo mundo.

– O exercício da metalinguagem poética se completa com o esforço para meter a linguagem poética no cotidiano, lamber o dia a dia com a língua da poesia.

– A percepção atenta ao cotidiano permite a saída do egocentrismo lírico, calcado nas cruzes mentais do autor, para a sintonia com a ebulição sócio-meso-cósmica da vida e suas sugestões de pauta. Só o mergulho no singular permite a absorção do pisca-pisca universal e sua tradução. Trata-se de fazer a leitura poética da vida cotidiana, e não ver a percepção/elaboração poética como um departamento especial, apartado do mundo, área de primeira classe do navio, esquecendo que o mar envolve a todos, na viagem e no naufrágio. Há o risco, presente em todos os caminhos metafóricos, técnicos e temáticos, do desvio da faixa central da estrada poética para as trilhas da prosa descritiva, raciocinante ou emotiva.  Cabe ao escritor manter o rumo e o prumo.

– Filosofia e poesia são seivas do poço comum da mente em harmonia, que a vida fragmentada dissocia. Na essência e na sua inteiridade, os lados reflexivo e artístico não se conflitam, mas latejam e reclamam sintonia.

– A poesia política firma sua legitimidade pela presença na criação literária de todos os povos do mundo. Ela não deve explicação, não pede licença e dispensa fila preferencial. Como uma entre outras vertentes do arco-íris poético, deve ser vista com naturalidade, de igual para igual, e avaliada com rigor, segundo as regras da arte.

 

Fotografia de Marcelo Mário de Melo

Marcelo Mário de Melo é jornalista, escritor e ex-preso político do Brasil. Nasceu em Caruaru, no interior do estado de Pernambuco, e veio para o Recife em aos nove anos. Escreve poemas, histórias infantis, minicontos, textos de humor e teatro e notas críticas.

Vê a elaboração poética como o olhar que mergulha e voa, o espirarco-íris de portas abertas e andantes, sintetizando o pensentir humano nos mergulhos introspectivos, nas interações sociais e nas viagens cósmicas.

Tem diversos livros publicados, de literatura e jornalismo, sendo o último deles o Literavida Historias e Casos.

 

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