Na fábrica, na reentrância das mãos, construíram-se muitas lâmpadas de marfim para serem atadas em redor dos corpos. Os corpos tatuados de vida admirável inclinaram-se sobre a (também) inclinação da luz. A lei da inclinação da luz é a lei da orientação dos abrigos nas montanhas longínquas, onde se guardam garrafas com Poemas de água. A água dos Poemas nunca se pode entornar. Os corpos não se podem tocar. A luz não se pode apagar.
Assim é. Duas pessoas estão tão próximas tão próximas, que chegam a sentir o ritmo do tempo de cada uma. Mas, permanecem assim, apenas próximas, não querendo estragar o mistério onírico do sabor e do cheiro.
Para duas pessoas que se querem nunca se tocarem é preciso que entre elas exista um véu de pássaros, e as memórias do que aconteceu nos ninhos desses pássaros. O desejo aumenta muito de cada vez que estão quase a tocar-se. Entre um e outro, não se pode levantar um vidro e, sim, uma chuva de crisântemos. O pólen dos crisântemos percorre as veias desenhando um orgasmo florido e raro. Um orgasmo apenas visível nas pálpebras que queimam e nas línguas toldadas de salivas violentas.
Os olhares incendeiam o vagar das horas.
A pele é a evidência das partículas da entrega.
Eis o tecido da paixão. É rubro, mas não se mostra rubro ao olhar, mostra-se claro e silencioso, como o movimento do cio dentro de uma claraboia. São os filamentos das lâmpadas que progridem e quase asfixiam o espaço livre entre as duas pessoas que não se tocam. Não se tocam, ainda que estejam no interior uma da outra.
No caminho que fizeram, desde o dia do equinócio do outono, os seus pés descalços encenaram uma partitura de musgos e terracota. As suas bocas beberam vinho por copos de estanho e os seus pensamentos vincaram distâncias nevadas. Depois, seguiram, com a crença de que nunca haverá despedidas ou lâminas. Quando se segue a par, nenhum dos dois ultrapassa ou derruba o outro, porque vão juntos na conquista do destino. O destino é o pôr-do-sol. Também pode ser a lareira do veludo. Os beijos são lentos e esfaqueiam as planícies, porque são beijos imaginados. As palavras contêm ideias e pensamentos sobre o espaço aberto e o fim das grilhetas. Riem, por vezes, sem ser demais. Estendem a saudade, sem ser dolorosa. Precisam de estar perto, ainda que não se toquem. Estão imóveis dentro da fábrica das lâmpadas de marfim, que é o lugar iluminado pelos anjos das viagens.
Alice Caetano: Formação académica: Curso professores do 1º ciclo pela Universidade de Aveiro.
Licenciatura em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e de ciências da Educação de Lisboa.
Profissão – professora do Primeiro Ciclo.
Livros publicados:
Poesia: “Depois do Ninho, a Água”; “Transmutações”.
Prosa poética: “Maçã de Zinco”.
Poesia, teatro e conto – “Espelho Convexo” (recomendado por Francisco Louçã).
Histórico-Biográfico: “Palco Sombrio – Guiné – Guerra Colonial e Actos Cénicos” (recomendado por Francisco Louçã).
Livros em coautoria:
“Arranja-me um Emprego – crónicas e poesia para salvar o dia” – Editora Versbrava.
“Orgânico – Cinco Poetas, a mesma causa” (livro com carácter social) – Edição de autor.
“Xafir e a Feiticeira do Pântano” (infantil) – Alfarroba Publicações.
Participação na Antologia da Moderna Poética Portuguesa.
Participação em iniciativas do Movimento Democrático de Mulheres – MDM – com textos temáticos.
Membro do júri do Concurso “Aveiro Jovens Criadores”.
Poemas traduzido para italiano e publicados nas revistas Emergenza Climatica e Articoli Liberi.
Publicada pelo Jornal literário “RelevO” de Curitiba.
Realização de programas de rádio local de âmbito literário.Escrita de prefácios em diversos livros de poesia.
Colunista na imprensa regional com artigos de opinião e crónicas políticas.
Segunda vencedora do 1º concurso de literatura polaco-português.
Distinguida pela Direcção Regional de Cultura do Centro como mulher de destaque no panorama cultural da Região Centro.
Elemento da Direcção do Grupo Poético de Aveiro.
Elemento do Clube de Leitura da Biblioteca Municipal Manuel Alegre em Águeda.