Embora tenha durado apenas pouco mais de dois meses, a Comuna de Paris continua na memória coletiva dos movimentos sociais em todo o mundo. Da Revolução Russa à Guerra Civil da Espanha, passando pelos movimentos de 1968 na França e de 1974 em Portugal, todos remetem à breve experiência transformadora que, em 1871, sonhou com um mundo melhor, mais justo, mais utópico, talvez. Mas que não parecia impossível.
Por Celso Japiassu
Era o fim do inverno, princípio da primavera de 1871 quando a população de Paris disse não à rendição da França diante da invasão da Prússia ao seu território. A guerra franco prussiana havia começado um ano antes, derrubara o governo francês e o imperador Napoleão III estava preso. Em 18 de março os trabalhadores de Paris revoltados assumiram o poder na cidade, estabeleceram reformas revolucionárias e tentaram consolidar profundas alterações na sociedade até serem massacrados, no que ficou conhecido como “a semana sangrenta”, apenas dois meses depois. A primeira experiência socialista na Europa durou de 18 de março a 28 de maio de 1871.
A vitória da Prússia sobre a França marcou a história da Europa e foi decisiva para que o Chanceler Otto von Bismarck conseguisse finalmente unificar a Alemanha. Mas para a França permaneceu o desagradável e amargo sabor da derrota, mobilizou sentimentos e interesses geopolíticos que por fim desaguaram na Primeira e, em consequência, na Segunda Guerra mundiais, acontecimentos que até hoje exercem influência sobre toda a História da Europa e do mundo. Um conflito que, sob certos aspectos, ainda não terminou.
O movimento e a tomada do poder pelos trabalhadores parisienses filia-se à grande Revolução Francesa, matriz dos movimentos internacionais que liquidaram a aristocracia como classe dominante. A Comuna de Paris seria uma retomada dos princípios da Revolução de 1789 se não fosse massacrada pelos exércitos do governo que, após refugiar-se em Versalhes, invadiu a capital sob a liderança dos próprios invasores prussianos. Vinte mil communards, que enfrentaram os exércitos prussiano e do próprio governo foram de imediato executados. Seus corpos ficaram em exibição nas praças de Paris. Quinze mil foram presos, milhares de outros partiram para o exílio.
Embora tenha durado apenas pouco mais de dois meses, a Comuna de Paris continua na memória coletiva dos movimentos sociais em todo o mundo. Da Revolução Russa à Guerra Civil da Espanha, passando pelos movimentos de 1968 na França e de 1974 em Portugal, todos remetem à breve experiência transformadora que, em 1871, sonhou com um mundo melhor, mais justo, mais utópico, talvez. Mas que não parecia impossível.
Com a derrota diante da Prússia e a substituição de Napoleão III pelo governo republicano liderado pelo esperto e velho político Adolphe Thiers como presidente de um Governo Provisório de Defesa Nacional, foi eleita a Assembleia Nacional. A maioria era de conservadores monarquistas, proprietários rurais, banqueiros e representantes dos vários estamentos da burguesia.
Não consigo deixar de pensar numa comparação com o parlamento do Brasil de hoje.
A nova sociedade
A Comuna queria uma nova sociedade num mundo novo. De imediato decretou a separação entre o Estado e a Igreja, definindo o estado como laico. Foi suprimido o trabalho noturno e decretada a igualdade civil entre homens e mulheres. O exército foi substituído pelas milícias cidadãs, o ensino passou a ser gratuito e obrigatório e foram criadas pensões para as viúvas e as crianças. Muitas outras medidas de caráter social foram adotadas pelo movimento revolucionário como a limitação ao trabalho feminino e das crianças e a entrega de fábricas abandonadas aos seus operários. As casas desocupadas foram desapropriadas e ocupadas pelas famílias de trabalhadores. E a pena de morte foi abolida.
Esta é a síntese das medidas que a Comuna de Paris adotou na sua curta existência:
- Ensino gratuito
- Autogestão das fábricas, geridas pelos operários
- Controle do preço da alimentação
- Prazos ampliados para pagamento do aluguel
- Instituição do salário mínimo para os trabalhadores
- Reformas objetivando melhorar as condições habitacionais
- Administração municipal pelos próprios funcionários públicos
- Medidas contra o desemprego
- Separação entre Igreja e Estado pela criação do Estado Laico
- Polícia substituída pela Guarda Nacional
- Fábricas e residências sem uso desapropriadas
- Fim do trabalho noturno e redução da jornada de trabalho
- Previdência Social
- Igualdade civil entre os sexos
- Pena de morte abolida
- Fim do exército regular e do serviço militar obrigatório
A insurreição da Comuna de Paris durou apenas dois meses e ficou conhecida como “o assalto aos céus” pelo que havia traçado como programa de uma revolução que olhou para horizontes novos em um mundo novo. Foi também a primeira experiência de implantação de um governo socialista e a primeira república liderada pelos trabalhadores da história. É vista como um acontecimento que representou o espontaneísmo político das massas.
A bandeira vermelha foi adotada como símbolo nacional e de uma humanidade unida por ideais em comum.
Celso Japiassu: Poeta, articulista, jornalista e publicitário brasileiro. Trabalhou no Diário de Minas como repórter, na Última Hora como chefe de reportagem e no Correio de Minas como Chefe de Redação antes de se transferir para a publicidade, área em que se dedicou ao planejamento e criação de campanhas publicitárias. Colaborou com artigos em Carta Maior e atualmente em Fórum 21. Mora hoje no Porto, Portugal.
É autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).