O grande projeto da União Europeia está em crise e mesmo a sua sobrevivência encontra-se ameaçada. Sua construção foi fruto de um processo histórico e do idealismo de alguns políticos dos principais países, a se destacar a França e a Alemanha. Foi uma ideia que se destinava antes de tudo a assegurar a paz num continente cansado de tantas guerras. Sua criação é fruto da experiência vivida nos conflitos que levaram a duas guerras mundiais. E das contradições geopolíticas que conduziram a uma infinidade de choques entre as nações. Os princípios que lhe foram definidos são os de cooperação, não discriminação, solidariedade e democracia. Esses valores são questionados hoje pelos partidos da direita e da extrema direita que exploram as insatisfações populares para retomar os discursos nacionalistas, de controle das fronteiras e de protecionismo econômico.
As grandes esperanças defrontam-se com a grande crise do capitalismo que eclodiu em 2008 somada ao afluxo de imigrantes vindos do Oriente e da África a fugir das guerras e da miséria; às ameaças do terrorismo, aos ataques do anti-europeísmo cultivado pela extrema direita, à crise econômica e ao ataque do coronavírus que trouxe consigo novas preocupações e mais uma crise. O Brexit, montado numa fortíssima campanha de notícias falsas, foi também um sinal de alerta para a União Europeia que, com a retirada do Reino Unido, deixou de contar com uma grande economia. A ação dos partidos da direita em todos os países pressiona no mesmo sentido de esfacelamento, ao mesmo tempo em que difunde o racismo, o ódio e a intolerância.
Nas eleições, em importantes países como a França, a Alemanha, a Itália e a Holanda, os partidos de extrema direita apresentaram expressivo crescimento e encontram-se nas fraldas do poder. Marine Le Pen, a candidata à presidência da França pelo neofascista Rassemblement National, por muito pouco não venceu as eleições ao perder no segundo turno. Seu partido faz parte do movimento anti-União Europeia. Na Alemanha, o partido neonazista Alternativa para Alemanha tornou-se a terceira maior força política no Bundestag, o parlamento alemão e acaba de vencer as eleições na Turíngia e na Saxônia. E, na Holanda, o Partido para a Liberdade (PVV), de extrema direita, obteve uma vitória surpreendente nas eleições legislativas de novembro de 2023, conquistando cerca de um quarto dos assentos no parlamento holandês. Este resultado fez do PVV o maior partido no parlamento.
Cresce o consenso de que se encontra em perigo o grande projeto político, econômico e social que, inaugurado há sessenta anos, pretendia assegurar uma Europa aberta ao mundo, democrática e livre.
Os riscos
Em um mundo dominado pelos avanços tecnológicos, a Europa não tem conseguido acompanhar o desenvolvimento dos Estados Unidos e da China, cujos projetos geopolíticos, acompanhados de perto pela concorrência da Rússia, pretendem a hegemonia global. A solidariedade entre os países diminui e a economia mostra sinais de enfraquecimento. E já não é o mesmo o desejo das populações de integrarem uma Europa única.
O desemprego, outra causa de preocupações, está em 6% da população de trabalhadores na União Europeia, o que significa um total de 13,2 milhões de pessoas, sendo 3 milhões de jovens. O percentual sobe para 6,4% considerada apenas a zona do euro, composta por 19 dos 27 países pertencentes à União Europeia.
Há também endividamento elevado, principalmente de países como a Grécia, Portugal, Espanha, Itália e Irlanda. Observadores também chamam a atenção para o que consideram falta de coordenação política da União Europeia para resolver questões de endividamento público das nações do bloco.
As consequências são a fuga de capitais de investidores, escassez de crédito para as empresas e aumento do desemprego. As medidas adotadas para a redução de gastos provocam descontentamento popular e baixo crescimento das economias. Este quadro contamina países fora do bloco que têm relações comerciais com a União Europeia, como é o caso do Brasil. Uma crise da Europa, dizem alguns economistas, pode causar uma recessão econômica mundial.
Os eurocéticos
Existem ainda os partidos eurocéticos que ameaçam a unidade do continente. Eles estão presentes e com voz ativa nos parlamentos, nos governos ou próximos do poder na Hungria, Polônia, República Tcheca, Romênia, Itália, Áustria, Dinamarca, Estônia, Finlândia, França, Alemanha, Suécia e Holanda. Na Grã-Bretanha eles venceram e conseguiram o Brexit.
Todos os partidos eurocéticos defendem a saída ou o fim da União Europeia, o controle das fronteiras, barreiras contra a imigração e protecionismo na economia. São contra a globalização e a integração econômica dos países. Dizem querer fortalecer a identidade nacional. Eles representam também uma ameaça às instituições democráticas, aos direitos humanos e favorecem o crescimento da xenofobia, do racismo e da intolerância religiosa. Pregam soluções simplistas para problemas que são por natureza complexos.
Vinte e sete países com vinte e quatro diferentes idiomas formam hoje a União Europeia. Há nove países candidatos a dela fazer parte: Albânia, Bósnia-Herzegovina, Macedónia do Norte, Montenegro, Sérvia, Turquia, Ucrânia, Moldova e Geórgia.
Para integrar a União Europeia existem várias exigências. Além de estar com as contas públicas em ordem e equilibradas, os países que desejam candidatar-se devem ser politicamente democráticos e com um Estado de direito em vigor.
Celso Japiassu: Poeta, articulista, jornalista e publicitário brasileiro. Trabalhou no Diário de Minas como repórter, na Última Hora como chefe de reportagem e no Correio de Minas como Chefe de Redação antes de se transferir para a publicidade, área em que se dedicou ao planejamento e criação de campanhas publicitárias. Colaborou com artigos em Carta Maior e atualmente em Fórum 21. Mora hoje no Porto, Portugal.
É autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).