Nos últimos anos, o planeta tem assistido a um aumento sem precedentes no número e na intensidade de incêndios florestais que devastam vastas extensões de terra na Europa, América do Norte, América do Sul, Austrália e outros lugares. O que outrora era um fenómeno sazonal, controlável e previsível, hoje tornou-se uma ameaça crónica que coloca em risco não só a biodiversidade dos ecossistemas naturais, mas também a vida de milhões de pessoas, já que não se trata apenas de eventos naturais, mas na sua grande maioria são provocados pela atividade humana, motivada por razões económicas, produtivas, ideológicas e políticas.
Este aumento de incêndios não é uma coincidência; está ligado a uma série de fatores inter-relacionados, incluindo as alterações climáticas, a sobre-exploração dos recursos naturais e a crescente pressão sobre as terras agrícolas devido ao aumento da procura mundial de alimentos.
Europa e América do Norte: Florestas em Extinção
Na Europa e na América do Norte, regiões tradicionalmente menos afetadas por incêndios florestais (com exceção da região mediterrânea), o aquecimento global tem intensificado as condições de seca e temperaturas elevadas, criando um ambiente propício para a propagação de incêndios descontrolados.
Em países como a Grécia, Portugal, Espanha, Itália e Canadá, onde os incêndios florestais agora são mais frequentes, o impacto sobre os ecossistemas é devastador. Estes incêndios não só destroem habitats chave e libertam enormes quantidades de carbono para a atmosfera, como também alteram ciclos ecológicos fundamentais, como a regeneração natural das florestas, colocando em risco a habitabilidade de várias regiões.
Os incêndios em larga escala, como os que devastaram a Califórnia e partes do oeste dos Estados Unidos, demonstraram que a recuperação dos territórios verdes pode levar décadas ou até séculos. Em algumas áreas, a intensidade do fogo é tal que os solos se degradam ao ponto de a vegetação original não conseguir regenerar-se sem intervenção humana. Esta recuperação lenta, somada ao contínuo aumento dos incêndios, ameaça transformar radicalmente a geografia natural de regiões inteiras.
Para se ter uma ideia, basta lembrar de algum incêndio florestal que tenha presenciado na sua infância ou juventude; as árvores queimadas nessa altura ainda não tiveram tempo de se recuperar, pelo que os incêndios não podem ser vistos de forma anacrónica, mas sim como uma sucessão de eventos cujos resultados são diretamente proporcionais ao ritmo e à quantidade de incêndios.
América do Sul: A Amazónia em Crise
Na América do Sul, a Amazónia encontra-se sob um duplo ataque. Além dos incêndios florestais provocados pelo aumento das temperaturas e pela seca, a desflorestação intencional para abrir caminho à agricultura e à pecuária está a destruir um dos pulmões mais importantes do planeta. A queima deliberada da floresta amazónica para expansão agrícola tem consequências globais, já que a Amazónia atua como uma reserva de carbono vital para mitigar os efeitos das alterações climáticas. E o problema está longe de uma possível solução, pois migrou para o âmbito das ideologias políticas e campanhas partidárias, onde as forças políticas se incriminam mutuamente, mas pouco se faz para travar o avanço da desflorestação.
Exemplo disso é que o ex-presidente Bolsonaro, na gestão anterior, falava deliberadamente em ampliar a área de exploração agrícola e era contrário às políticas ambientais, enquanto a gestão atual é acusada pela grande quantidade de incêndios que atualmente destroem o património natural do Brasil.
Contudo, a recuperação da Amazónia é extremamente lenta. Uma vez que os incêndios destroem grandes áreas de floresta, a estrutura do solo altera-se, tornando-se menos fértil e mais vulnerável a queimadas futuras. Além disso, a destruição da biodiversidade afeta a capacidade da floresta de se regenerar naturalmente, o que ameaça transformar vastas áreas de floresta tropical em savanas improdutivas.
Portugal: Território do Fogo
Nas últimas décadas, Portugal tem sido vítima de uma crescente crise de incêndios florestais, tanto no continente como nas suas paradisíacas ilhas. Estes incêndios, que devastam grandes áreas rurais e naturais, atingiram níveis alarmantes, não só pela magnitude da destruição, mas também pela frequência com que ocorrem e pelo número de vítimas mortais. Todos os verões, os incêndios florestais tornam-se uma preocupação nacional, afetando não só o meio ambiente, mas também a economia, as infraestruturas e a vida dos cidadãos.
O aumento dos incêndios florestais em Portugal está intimamente ligado às condições climáticas cada vez mais extremas. As ondas de calor, secas prolongadas e ventos fortes, exacerbados pelas alterações climáticas, criam o ambiente perfeito para que pequenos fogos se transformem em incêndios incontroláveis. De acordo com dados do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), nos últimos anos Portugal tem sofrido alguns dos incêndios florestais mais devastadores da Europa. O verão de 2017 foi particularmente catastrófico, quando os incêndios em Pedrógão Grande ceifaram a vida de mais de 60 pessoas e destruíram mais de 50.000 hectares de floresta. Este ano, o país volta a enfrentar o mesmo problema, e o fumo já invade cidades no país vizinho.
Contudo, o problema não é apenas climático. A estrutura das florestas em Portugal também desempenha um papel fundamental. Grande parte das áreas afetadas estão plantadas com eucaliptos, uma espécie utilizada principalmente para a produção de papel, mas que também é altamente inflamável devido aos seus óleos naturais. Este tipo de monocultura, juntamente com a falta de gestão florestal adequada, tem facilitado a propagação dos incêndios de forma mais rápida e intensa.
Portugal está na linha da frente de uma batalha ambiental que afeta todo o planeta: a luta contra os incêndios florestais num mundo cada vez mais afetado pelas alterações climáticas. Os incêndios florestais não representam apenas uma ameaça imediata para as vidas e os meios de subsistência dos portugueses, mas também colocam em risco o futuro dos ecossistemas e da biodiversidade do país.
A solução a longo prazo exige uma abordagem integrada que combine a gestão florestal sustentável, o investimento em tecnologias avançadas de resposta a incêndios e uma maior consciência pública sobre a prevenção. Só assim Portugal poderá proteger as suas paisagens, as suas comunidades e a sua biodiversidade dos incêndios que a cada ano ganham mais força.
A Pressão da Procura Mundial de Alimentos
À medida que a população mundial continua a aumentar, com um crescimento particularmente acelerado nas nações em desenvolvimento, a procura de alimentos disparou. A necessidade de terras agrícolas para satisfazer o consumo global de carne, soja, óleo de palma e outros produtos provocou uma expansão massiva da fronteira agrícola, o que muitas vezes resulta na queima de florestas para criar novas áreas de cultivo e pastagem. Este círculo vicioso gera mais emissões de gases com efeito de estufa, aumentando o aquecimento global e favorecendo ainda mais os incêndios.
O crescimento económico de países como a China, a Índia e o Brasil gerou um aumento notável no consumo de alimentos e produtos agrícolas. Este fenómeno tem colocado uma pressão imensa sobre os recursos naturais do planeta, impulsionando a conversão de terras florestais em áreas produtivas, muitas vezes sem planeamento adequado ou práticas sustentáveis. As consequências desta expansão descontrolada são evidentes: erosão do solo, perda de biodiversidade e redução da capacidade da Terra para absorver dióxido de carbono.
A Ineficácia da Agenda 2030 e a Falta de Consenso
Perante esta crise ambiental, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, promovida pela ONU, definiu objetivos ambiciosos para combater as alterações climáticas, proteger a biodiversidade e garantir a segurança alimentar. No entanto, a ineficácia na implementação destes objetivos é evidente. Muitos países, especialmente os maiores emissores de gases com efeito de estufa, não têm cumprido os compromissos necessários para limitar o aumento das temperaturas globais, e somando-se a isso a crescente resistência à mudança em várias sociedades e a polarização da sociedade, vemos que o ambiente é muito mais complexo.
Além disso, a falta de consenso em torno do aquecimento global continua a ser um obstáculo significativo. Embora a comunidade científica seja clara quanto à magnitude da crise climática, alguns países continuam a priorizar o crescimento económico a curto prazo em detrimento das políticas ambientais. Este desacordo atrasa os progressos na cooperação internacional para mitigar os efeitos das alterações climáticas, o que, por sua vez, agrava a frequência e a intensidade dos incêndios florestais.
Estamos a entrar numa nova era, o Piroceno, ou Era do Fogo…
Um Futuro em Chamas
O futuro dos nossos ecossistemas está em jogo, e a situação atual confronta-nos com decisões críticas. A restauração das florestas destruídas por incêndios é um processo que requer tempo, vontade política e recursos, mas a destruição desses territórios verdes é rápida e implacável. A menos que as políticas globais de proteção ambiental, recuperação florestal e sustentabilidade agrícola sejam implementadas com urgência e de forma eficaz, o mundo corre o risco de perder um dos seus recursos mais valiosos: as suas florestas, e com isso… restarão poucas esperanças para a vida humana.
É necessária uma mudança de paradigma que permita um equilíbrio entre a necessidade de alimentar uma população mundial em crescimento e a preservação dos ecossistemas naturais. Sem um esforço concertado para travar as alterações climáticas, gerir a procura agrícola e restaurar as florestas que estão a desaparecer, enfrentamos um mundo cada vez mais árido e devastado, um mundo em chamas.
Wesley S.T Guerra
Wesley Sá Teles Guerra, poliglota e hispano-brasileiro, escritor, professor e internacionalista. Gestor do Fundo de Triangulação e Cooperação Internacional Portugal – América Latina – Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, autor dos livros “Cadernos de Paradiplomacia”, “Paradiplomacy Reviews the Rise of the Subnations, Cities and Smartcities” e “Manual de Sobrevivência das Relações Internacionais”, fundador do CERES – Centro de Estudos das Relações Internacionais, membro de diversas instituições internacionais. Especialista em Relações Internacionais, Paradiplomacia, Cooperação Internacional e Gestão de Smartcities.