Independentemente do nosso grau de dedicação ao tema (ou de distracção), creio poder afirmar que é sabido, ou pelo menos sentido, que a arquitectura reflecte inúmeras características relativas ao seu contexto. Funcional, económico, estético e, naturalmente, social e cultural.
À medida que se expande o debate sobre as mais diversas causas sociais, deveria o arquitecto na sua prática acompanhar este discurso e assumir não só a óbvia responsabilidade da relação da obra com a envolvente, que se quer respeitosa e harmoniosa, mas também para com todos aqueles que nela poderão habitar.
É ainda muito comum no métier do arquitecto a secundarização da temática das acessibilidades. No contexto português, o cumprimento do Decreto-Lei n.º 163/2006 é muitas vezes encarado como um entrave à criatividade. A readaptação da mentalidade no acto de projectar, integrando a tentativa de desenhar um espaço onde as barreiras físicas sejam amenizadas como premissa de projecto e não como uma obrigação legal, pode não só abrir oportunidades para repensar o espaço como também acomodar uma grande mudança social a longo prazo.
Quantas vezes nos deparamos com rampas estranhamente acopladas a edifícios? Átrios de elevadores e escadas onde sentimos estar a ocupar um espaço com uma escala desajustada? Observando a subida da esperança média de vida, quantos mais anos poderíamos estar autónomos se a arquitectura fosse repensada desta perspectiva? E, se assim acontecesse, quão impactante seria podermos fazer parte da nossa comunidade durante mais tempo?
Há alguns anos vi um documentário que partilhava o sucesso de um projecto-piloto nos Estados Unidos da América, sobre um lugar pensado para pessoas de idade avançada e crianças. Este centro foi concebido para acolher estas duas faixas etárias, pensado na solidão dos mais velhos e na candura dos mais novos, e o resultado foi comovente. Podemos considerar que uma criança, ao estar exposta desde cedo às limitações e características do avanço da idade, pode tornar-se receptiva à integração intergeracional e menos propensa a tomar parte em acções discriminatórias.
O entendimento das acessibilidades como princípio fundamental e não apenas como requisito técnico pode reequilibrar o propósito da obra e a forma final e reduzir o fosso entre a função e a estética, mas pode também alterar dinâmicas sociais.
Ron Mace, um arquitecto norte-americano nascido em 1941, desenvolveu o conceito de Design Universal para descrever a concepção de produtos e ambientes construídos que, sendo ao mesmo tempo esteticamente pensados, possam ser usáveis por todos independentemente da idade, habilidade ou condição de vida. Este conceito, amplamente aprofundado pelo Center for Universal Design, na North Carolina State University, constitui uma orientação para a aplicação prática dos princípios que o sustentam. O Design Universal não desconsidera a razoabilidade e exequibilidade do projecto de arquitectura, nem este discurso é apologista de uma radicalização do espaço que, querendo ser tudo, em pouco ou nada se transforma. O objetivo seria promover uma mudança de paradigma que integrasse a acessibilidade no processo de projecto.
Demasiadas vezes, os projectos são desenvolvidos sob prazos apertados, um sintoma transversal à maioria das áreas, e é fácil encaixar nesta narrativa da dívida ao tempo uma justificação para a não alteração da metodologia de trabalho. Ainda assim, do ponto de vista do tempo despendido, vale a pena reflectir sobre os ganhos de uma solução mais acessível que se foi materializando em contraste com a “injeção” do cumprimento da lei no projecto.
Assumindo que o arquitecto é um dos principais elementos responsáveis pelo entendimento de todo o processo que decorre da necessidade de transformação do espaço, é essencial que garanta – no mínimo – a tentativa de proporcionar uma vivência do espaço de maneira equitativa.
Nascida em Lisboa, Filipa Paes de Faria vive num exercício contínuo de aglutinação entre diferentes áreas – arquitectura, programação, pintura. Estudou na Faculdade de Arquitectura, passando pelo Politécnico de Turim no ano final do mestrado e, mais tarde, pelo Ar.Co Lisboa.
Facilmente entusiasmada por pequenos detalhes e com um fascínio especial pela observação de plantas e animais. Encontra-se geralmente algures entre a distracção crónica ou o foco excessivo.