Ciência

Teorias da conspiração – parte II

Teorias da conspiração – parte II

 

Na primeira parte falei-vos do que são as teorias da conspiração e de como as identificar. Nesta segunda parte vamos considerar alguns dos componentes que podem contribuir para o nascer destas teorias e que nos ajudam também a questioná-las e a refutá-las. Iremos conhecer a Teoria de Ramsey, a falácia do apostador, a falácia da conjunção e a falácia da falsa analogia.

 

Não faltam teorias mirabolantes pela web. É claro que escrever apenas uma fantasia qualquer não chega para convencer os internautas. São necessárias provas! “Felizmente” para os conspiracionistas, produzir “provas” pode ser por vezes muito fácil, basta ter a paciência de as encontrar por entre padrões aleatórios. A Teoria de Ramsey garante que é possível encontrar “ordem” por entre dados aleatórios, caso se tenha dados aleatórios em número suficiente. Como mencionei no caso do Teorema do Macaco Infinito (ver edição 53 da InComunidade), um macaco a teclar numa máquina de escrever de forma aleatória durante toda a eternidade irá de certo escrever “Os Maias”, a “Bíblia” e todos os outros livros alguma vez escritos pela humanidade. De forma semelhante, é possível encontrar mensagens aparentemente codificadas em livros suficientemente grandes, basta para isso permitirmos várias formas possíveis de encontrar essas mensagens. As combinações possíveis são tão grandes que é garantido que encontremos algum tipo de “profecia”!

 

 

Da esquerda para a direita, de cima para baixo: “Dados” – isto é, medições experimentais sobre um fenómeno. Na sua forma mais elementar podem ser apenas números ou pontos num gráfico. “Informação” – as cores representam o interpretar dos dados. Isto é, os dados só podem ser informação depois de analisados. “Conhecimento” – da análise da informação pode surgir uma explicação, uma interpretação genérica que liga os dados entre si. “Descoberta” – a extracção de uma conclusão, o reconhecer que há “pontos” especiais no nosso conhecimento que podem ter uma dada utilidade. “Sabedoria” – a consolidação da descoberta numa teoria fundamentada que nos dá a ligação entre os fenómenos de interesse. “Teoria da Conspiração” – …

 

Há uma questão-chave que nos devemos colocar quando encontramos um padrão: qual a probabilidade de o encontrar de forma aleatória? É uma questão difícil e que possivelmente não saberemos responder, mas que invoca um cepticismo saudável. Faz-nos pelo menos considerar a hipótese de que um dado padrão possa não ser “estatisticamente significativo”. Isto é, que pode ocorrer por mero acaso.

 

Infelizmente, temos vários vieses cognitivos que nos impedem muitas vezes de compreender Estatística e Probabilidade de forma intuitiva. Por exemplo, um problema comum que temos é o de pensar que a probabilidade de um dado padrão ocorrer é menor que a de outros tipos de padrões com igual probabilidade. Poderemos pensar que a probabilidade de saírem os números 1, 2, 3, 4, e 5 na chave do EuroMilhões é menor que a probabilidade de saírem os números 12, 37, 4, 29, 41, ainda que ela seja exactamente a mesma. Qualquer combinação de cinco números tem igual probabilidade (veja aqui como calcular a probabilidade de vencer o EuroMilhões, edição 62 da InComunidade). Ou poderemos pensar que, depois de obtermos duas vezes seguidas um 6 no lançamento de um dado de faces numeradas de 1 a 6, a probabilidade de voltarmos a obter 6 num terceiro lançamento é menor. Não é, continua a ser a mesma (1/6) porque os acontecimentos são independentes (assumindo que o dado está equilibrado). A esta noção errónea dá-se o nome de Falácia do Apostador ou Falácia de Monte Carlo (em referência ao casino de Monte Carlo).

 

Eis outro exemplo de como a nossa intuição é fraca em questões de probabilidade. O que é que será mais provável:
(A) Um alcoólico que tem uma mãe que o ama muito; ou
(B) Um alcoólico que tem uma mãe alcoólica que o ama muito.
Em qual aposta como sendo mais provável? Frase A ou B?

 

Pode parecer que a hipótese B é a mais provável porque parece fazer sentido que o alcoolismo da mãe possa influenciar o do filho. Se pensou assim foi vítima da falácia da conjunção. A frase B é um caso particular da frase A, pelo que a frase A é necessariamente mais provável que a B por ser mais genérica. Entre os alcoólicos amados pelas suas mães, em alguns casos as mães serão também alcoólicas, noutros não. No máximo a frase B poderia ser tão provável quanto a A, caso de facto todas as mães de alcoólicos fossem também alcoólicas.

 

 

A falácia da conjunção pode ser ilustrada com um diagrama de Venn, como o ilustrado. Num jogo de apostas, a proposição “perder a primeira aposta” é necessariamente mais provável que a proposição “perder a primeira aposta e ganhar o jogo”, porque a primeira inclui tanto a possibilidade de ganhar, como de não ganhar.

 

 

Há outras falácias comuns em teorias da conspiração. A falácia da falsa analogia é uma delas. Considere-se um dos argumentos de quem rejeita que as alterações climáticas são da responsabilidade do Homem: há evidências científicas de que a Terra já foi mais quente no passado, quando ainda não havia humanos [1]. O problema deste argumento é a suposição inerente de que o aquecimento de hoje é comparável ao do passado nas suas causas (e consequências). De facto, é possível aquecer o planeta de muitas formas diferentes. Aumentar a emissão de gases com efeito de estufa é uma delas. Esta própria emissão pode ser consequência de causas diferentes, como seja a queima de combustíveis fósseis, ou actividade vulcânica. Acrescento, aliás, que ao mostrar que este argumento é falso, não estou a provar que o contrário é verdadeiro. A verdade científica baseia-se antes em muitas linhas de investigação diferentes que suportam todas a mesma conclusão [2].

 

 

Como é claro, as falsas analogias não surgem apenas em teorias da conspiração. Fazem parte do nosso dia-a-dia. “Ai, dói-me as costas!” – “Epa, a mim também me doíam, mas comprei o colchão XPTO e ficaram boas.” – “Ah é? Também vou comprar o XPTO!” A falácia está em assumir que o colchão era necessariamente o problema, isto é, que a causa era a mesma. Por outro lado, o (suposto) facto de o colchão XPTO ter ajudado uma pessoa, não implica que fosse a solução para outra pessoa. Ou seja, a suposição de que as consequências seriam as mesmas também poderia estar errada.

 

Na terceira parte iremos conhecer mais algumas das potencias causas das teorias da conspiração, assim como alguns dos métodos que poderemos usar para as combater.

 

 

Na televisão: “Consideremos os factos…”
Pensamento: “É uma conspiração!”
Assumir que uma dada explicação é uma conspiração sem ter razões para o assumir é em si próprio um cepticismo de carácter ignorante.

 

Bibliografia:

[1] Retirei este exemplo deste excelente vídeo do canal Ted-Ed.

 

[2] Se quiser ler mais sobre o aquecimento global pode ler este artigo da Royal Society ou este da NASA.

 

Fotografia de Marinho Lopes

 

 Marinho Lopes é Doutor em Física pela Universidade de Aveiro.

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