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EDITORIAL: País Em Convulsão | Henrique Dória

Num mundo perturbado por guerras e pela ascensão da extrema direita, parecia que um governo de maioria absoluta colocaria Portugal à margem das grandes perturbações e angústias que afetam outros países. Pura ilusão. O que parecia sólido, desfaz-se no ar, como diria Marx.

As causas da queda de António Costa, aparentemente à vista de todos, só mais tarde se irão apurar. Por que razão Lucília Gago, Procuradora Geral da República, depois de uma entrevista com Marcelo Rebelo de Sousa, terá colocado um parágrafo mortal para o Primeiro Ministro, apenas a partir de uma conversa de terceiros, isto é, apenas por ouvir dizer, violando o segredo de justiça e dando publicidade à existência de um inquérito que só poderia ser tramitado pelo Supremo Tribunal de Justiça e, como é óbvio, só por ele poderia ser divulgado, não ignorando, nem devendo ignorar que Portugal não é uma república das bananas, e que aquele parágrafo levaria, inevitavelmente, à demissão do Primeiro Ministro, pois que o seu cargo não pode estar sob suspeita? 

Qual o papel do Presidente da República nesse comunicado? Inevitavelmente informado do que sairia no comunicado da PGR relativamente a António Costa – mal seria que Lucília Gago não informasse o primeiro responsável pelo regular funcionamento das instituições, que a tinha nomeado, do que iria ser transmitido ao país nesse parágrafo – não a teria alertado, como bom jurista que é, para as consequências do comunicado e para uma eventual – e gravíssima – violação do segredo de justiça que aquele parágrafo constituiria? Ter-se-ia calado porque, sobretudo depois da recusa de Costa em afastar o ministro João Galamba que Marcelo considerava que deveria ser demitido, não perdoava o que entendeu como uma afronta do Primeiro Ministro, e viu aí uma oportunidade de provocar a sua demissão?

Não sabemos o que se passou nessa reunião. Mas sabemos que as suspeitas sobre os processos de licenciamento da exploração do lítio em Montalegre e Boticas, do hidrogénio verde e do centro de dados em Sines, poderão destruir a possibilidade de alteração do paradigma industrial do país, colocando-o na vanguarda das novas indústrias, e fazendo com que Portugal continue a limitar-se à condição de montador de equipamentos, como o é com o maior investimento empresarial que entre nós foi efetuado, até hoje, a Autoeuropa.

Poder-se-á contestar o interesse da exploração de lítio pelos perigos ambientais que envolve. Mas não basta dizer que as baterias  para os automóveis elétricos poderão deixar de ser economicamente viáveis porque se encontrarão meios mais baratos e mais limpos para os fazer circular. O lítio continuará a ser essencial para as indústrias dos computadores e dos telemóveis das quais a Europa abdicou mas que tem, necessariamente, de retomar. Mas quanto ao hidrogénio verde e ao centro de dados ninguém, seriamente, contestará a sua importância para Portugal e a Europa.

Dir-se-á que esses licenciamentos foram aprovados através do atropelo da lei. Porém, tal está por demonstrar, e o recente comunicado do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) demonstra o contrário do que afirmam os críticos desse licenciamento: terá sido destruído um charco temporário mas há a obrigação  de o reconstruir noutro lugar. E, se ainda não foi reconstruído, poderá sê-lo e, forçosamente, terá de o ser pois a função do ICNF é fazer cumprir a lei. 

Num mundo em que a extrema direita neofascista está em ascensão, esta crise só beneficia o Chega, que está a ser levado ao colo por uma certa comunicação social moralmente repugnante. A esquerda não está, minimamente preparada para estas eleições. Encontra-se desorientada, dividida e desorganizada. A tática do Partido Comunista de privilegiar na campanha eleitoral as manifestações de rua demonstra-o. O Bloco de Esquerda poderá subir, mas será difícil que essa subida compense a descida da CDU. Ambos são incapazes de se unirem e contruírem uma alternativa sólida à direita e até ao Partido Socialista. 

O PSD obviamente que irá fazer acordos com o Chega para chegar ao poder. E se o PS e a esquerda não acordarem para esta realidade e tomarem as medidas necessárias para fazerem com que não aconteça, os trabalhadores e grande parte das classes médias irão sofrer as consequências de uma governação cada vez mais à direita.

 

Fotografia de Henrique Dória

É advogado e colaborou no Diário de Lisboa Juvenil e nas revista Vértice e Foro das Letras. Tem quatro livros de poesia e três de prosa publicados. É diretor da revista online incomunidade.com, e da radiotransforma.



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