Um País encurralado, sujeito às mais implacáveis arbitrariedades, vítima de agressões e ocupações ilegais constantes e, hoje em dia, subjugado pela fome e pelo terror é a imagem da Palestina actual. Assim designada desde a Antiguidade, a “Terra dos Filisteus” situa-se a sul do Líbano e a nordeste da Península do Sinai, entre o Mar Mediterrâneo e o vale do Rio Jordão. A região tem sido palco de conflitos permanentes e guerras sucessivas, que têm dizimado as populações, com graves prejuízos para os que apenas possuem a sua força de trabalho para sobreviver.
O século passado marca definidamente uma reviravolta nas aspirações dos palestinianos. A perda de autonomia resultante do declínio do Império Turco leva à anexação pela Grã-Bretanha, conforme mandato concedido pela Liga das Nações, após a I Guerra Mundial e a derrota da Turquia, parceira da Alemanha. Perante o sucessivo fluxo de imigrantes judeus, a Assembleia Geral das Nações Unidas divide, em 1947, a Palestina em dois Estados independentes, um judeu e outro palestino, situação nunca aceite pelas partes. A 14 de Maio de 1948, é proclamado o Estado de Israel. O caminho percorrido durante a segunda metade do século XX testemunha a vontade de Israel em reduzir a influência dos palestinianos e os avanços e recuos da revolta popular contra a ocupação. O ano de 1987 marca a Intifada, ou seja, um levantamento popular durante 5 anos, traduzido em manifestações diárias da população civil, que arremessa pedras contra os soldados israelitas. Todas as resoluções da ONU em favor dos palestinianos são sistematicamente ignoradas pelo governo israelita ou vetadas pelos EUA. Os anos 90 poderiam ter sido uma lufada de ar fresco na região, com Yasser Arafat e Isaac Rabin e os vários acordos assinados entre as partes, tendo ambos os líderes recebido o Nobel da Paz, em 1994. No ano seguinte, o acordo entre Israel e a OLP para conceder autonomia a toda a Palestina, é marcado pelo assassinato de Rabin. É a “morte” do acordo.
As primeiras décadas do século XXI deixam antever a situação actual, mesmo considerando a resolução das Nações Unidas de 2012, que concedeu à Palestina o estatuto de Estado observador. Multiplica-se o abuso de Israel na instalação de colonatos no território palestiniano, desde pequenas caravanas ou pré-fabricados no cimo de um monte até autênticas cidades estabelecidas, com instituições como câmaras municipais ou universidades, como atesta o exemplo de Ariel, com 17 mil habitantes. Conta-se, segundo números do início de 2023, em 475 mil o número actual de colonos israelitas em Gaza e na Cisjordânia, em 133 colonatos.
O professor de literatura, músico e activista da causa palestiniana israelita Edward Said publica em 1978 a obra “Orientalismo” e, no ano seguinte “A questão da Palestina”, importantes contributos para os estudos pós-coloniais. As seus teses e observações, aliadas às especulações sobre as questões coloniais do geógrafo norte-americano James Blaut, particularmente na sua obra de 2000, “Eight Eurocentric Historians”, uma das bases críticas do designado “eurocentrismo”, mostram um modelo colonial e eurocêntrico do mundo, baseado no mito de um “centro” ocidental que difunde o conhecimento e a “civilização” para uma periferia “bárbara”. Nos dois Autores encontramos possivelmente uma das respostas explicativas da dominação imperialista de Israel e que passa pela “colonialidade” do poder, uma classificação preferível à de “pós-colonial”, na opinião do sociólogo brasileiro Michael Löwy, dado esta poder dar ideia de uma visão linear do tempo. Na verdade, é o discurso unívoco do Ocidente, uma espécie de pensamento “universal”, que explica as tomadas de posição dos “aliados” em favor de Israel e da sua política colonial. E ainda de uma “incapacidade” em verificar o que está a acontecer na Faixa de Gaza e da Cisjordânia, uma ocupação ilegal que dura há décadas e o massacre indiscriminado, que configura, nas classificações clássicas do próprio Ocidente, um genocídio.
Enquanto Universidades de Espanha suspendem parcerias com Israel, em Lisboa há outras que chamam a polícia para reprimir estudantes, tal como nos EUA. Enquanto se propaga por todo o mundo o movimento de repúdio pela actuação do governo sionista de Israel, uma imensa maioria do Ocidente recusa-se a ver a realidade e a única resposta que encontra é a negação pura e simples, caso do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, ou simplesmente reprimir quem se manifesta, como mostram os exemplos, sempre “edificantes”, dos EUA, do Reino Unido e da França. Quem ilustra bem o que se vai passando na Palestina é a jornalista brasileira Gizele Martins, que, em 2017, conheceu a Palestina, a convite de organizações populares locais. Gizele, que é uma combatente contra a militarização, afirmou claramente estar perante um laboratório de uma autêntica “política de morte”, afirmando que as armas que matam na Palestina são as mesmas que matam nas favelas cariocas, ou no México, Colômbia, Índia e em todo o Sul global. São também as mesmas tecnologias, a mesma metodologia de treino e os mesmos poderes que utilizam recursos públicos para comprar armamento e para controlar e separar racial e artificialmente palestinianos e israelitas.
14 Maio 2024
Alfredo Soares-Ferreira
Alfredo Soares-Ferreira é Autor de várias intervenções, comunicações e publicações relacionadas com Cooperação e Educação para o Desenvolvimento, em Portugal, Angola, Cabo-Verde, Espanha, Guiné-Bissau, Itália, Moçambique e Timor-Leste. É Consultor de Projectos Educativos e de Inclusão Social de algumas instituições, nacionais e internacionais. É membro dos Colectivos “Porto Com Norte, Fórum de Cidadania”, “Fórum Manifesto”, “Liberdade e Pensamento Crítico” e “Tanto Mar”. É co-Autor de “Portugal, Revolução, Unidade Socialista” (1977), “Bracarenses na crise académica de 1969” (2019) e “Paranhos em Poesia, Antologia Poética” (2021). É Autor de “Reflexos do Rio Torto” (2014) e “Rio Torto- A Nascente” (2021). É Licenciado em Engenharia de Telecomunicações, pós-graduado em Gestão e Estratégia Empresarial e em Administração Educacional. Actualmente aposentado de funções públicas, foi Engenheiro e Professor em diversos graus de ensino, secundário, profissional e superior.