A extrema direita portuguesa, capitaneada por André Ventura, pretende levar a cabo um referendo que, alegadamente, tem por objetivo controlar a imigração por cotas de acordo com as necessidades de especialização e da economia.
O argumento é que o país tem emigrantes a mais, que a imigração representa um perigo para a identidade nacional, que há muita criminalidade praticada pelos imigrantes, que estamos perante a ameaça do radicalismo islâmico trazido pela imigração e que os imigrantes estão a beneficiar do trabalho dos portugueses.
Ventura, como todos aqueles que arvoram em defensores da Pátria e da identidade nacional, que para indivíduos da sua estirpe não é mais do que a fascista raça portuguesa, conceção só defendida pelos que desconhecem, ou fingem desconhecer, que existe só uma raça, a raça humana, e que os portugueses, talvez mais do que qualquer outro povo, são uma mistura de gentes das mais variadas origens, essencialmente: celtas, gregos, cartagineses, romanos, godos, suevos, mouros e negros provenientes das mais variadas etnias africanas. E essa mistura deu origem à enorme riqueza que têm a língua e a cultura portuguesas, à nossa enorme capacidade de adaptação, à nossa gentileza proverbial.
A acrescentar a isso, quase metade dos nossos imigrantes fala o português nas suas várias vertentes: em primeiro lugar os brasileiros (29,3 % do total), depois os cabo verdeanos (4,9%), angolanos (3,7%), guineenses (2,9%) e santomenses (1,6%) (dados da PORDATA), e outras nacionalidades nomeadamente ingleses (6 %) ucranianos (3,9% em 2022 mas, hoje, certamente, muitos mais), italianos e romenos, também falam já, maioritariamente, a língua portuguesa.
A quase totalidade dos imigrantes está perfeitamente integrada na vida do país, sendo totalmente falso que, percentualmente, cometam mais crimes do que a população portuguesa, como Ventura tem vindo a afirmar. O islamismo é religião residual entre os imigrantes. Por outro lado, contribuem decisivamente para o crescimento da economia nacional, havendo áreas da economia, como a agricultura e o turismo, que estariam paralisadas por falta de mão de obra se não houvesse imigração.
Foram os emigrantes portugueses menos instruídos ou, até, analfabetos, que contribuíram decisivamente, nas décadas de 50, 60 e 70, para o notável progresso económico de países como a França ou, até, a Alemanha. O mesmo acontece, agora com Portugal, que está a beneficiar enormemente com a imigração.
Portugal vive hoje, felizmente, em quase pleno emprego. Ainda recentemente, num inquérito realizado pela Associação Industrial de Portugal e pela Câmara de Comércio e Indústria, uma em quatro empresas referiu que o maior entrave ao seu crescimento é a dificuldade em recrutar mão de obra.
Um dos problemas que o país enfrenta é o envelhecimento da população portuguesa e a desertificação do interior. Face à baixa taxa de natalidade da população portuguesa, só os imigrantes poderão combater esse envelhecimento e desertificação.
Outro grave problema que o país enfrenta é a sustentabilidade da segurança social, em consequência do envelhecimento da população. Nos últimos anos, têm sido os imigrantes que têm garantido essa sustentabilidade. Em 2022, os imigrantes contribuíram com 1.861 milhões de euros para a segurança social e só beneficiaram de cerca de 257 milhões em prestações sociais. Há, por isso, um enorme saldo positivo da segurança social devido às contribuições dos imigrantes e, sem eles, os nossos reformados e pensionistas ou teriam cortes nas pensões ou veriam aumentada a idade da reforma.
Não conseguindo fazer passar a proposta de referendo na Assembleia da República, talvez Ventura consiga a assinatura de 60.000 portugueses para que se faça o referendo.
Mas querer limitar a imigração como o quer André Ventura é, não só um ato de xenofobia e racismo num país cuja população se espalhou pelo mundo mas, também, um atentado à economia nacional e uma indignidade baseada em falsos argumentos.
BIOGRAFIA: É advogado e colaborou no Diário de Lisboa Juvenil e nas revista Vértice e Foro das Letras. Tem quatro livros de poesia e três de prosa publicados. É diretor da revista online incomunidade.com, e da Rádio Transforma.