Sociedade

O Terceiro Mundo que não queremos ver: desconstruindo estereótipos nas economias emergentes | Wesley Sá Teles Guerra

Sede do Banco Santander Latam, em São Paulo, no Brasil. Foto de Hesteriana.

O termo “Terceiro Mundo” muitas vezes evoca imagens de pobreza, subdesenvolvimento e desafios persistentes. Mesmo quando a nomenclatura já não faz sentido… Pois foi usada pela primeira vez durante a Guerra Fria, no intuito de classificar os países alinhados aos Estados Unidos (1º mundo), à URSS (2º mundo) e aos não alinhados (3º mundo), classificação que há tempos já não está vigente, porém que persiste no discurso de muitas pessoas, até mesmo como uma forma de minimizar os países em desenvolvimento ou insultar os seus cidadãos.

 

A palavra Terceiro Mundo é muito usada como forma de discriminar.

 

Assim mesmo a classificação relacionada com o grau de desenvolvimento das nações, ou com o PIB, são igualmente inexatas já que uma leva em consideração o processo de industrialização como fonte exclusiva de desenvolvimento e a outra a quantidade de recursos sem considerar sua distribuição…

 

A pobreza não é exclusiva dos países emergentes. Mendigo nos EUA. Fonte: Wikicommons

 

É como se houvesse um norte ao qual seguir…um exemplo de nação… porém eu me pergunto… Qual seria esse exemplo? Os Estados Unidos com seu incrível PIB ou a Suécia e Austrália com seu elevado grau de desenvolvimento humano? Já dizia o ganhador do prêmio Nobel de Economia Amartya Sen que o PIB não quantifica em nenhum momento a felicidade ou a igualdade e qualidade de vida das pessoas….

 

A Suíça, por exemplo,  com toda sua qualidade de vida, ou o Canadá, com um elevado IDH, ficam por trás de nações como o Brasil e a Índia quando usamos o PIB como medida padrão… Nações como a Suécia ou a Nova Zelândia nem mesmo aparecem nos principais rankings quando se trata do tamanho do PIB, porém são uns dos países mais desenvolvidos da terra… O PIB reflete somente o tanto que uma nação é rica, mas não sua população…

 

O PIB da Suíça é inferior ao do México ou dos Estados Unidos, porém sua maior distribuição coloca o país como uma das nações mais desenvolvidas do planeta. Lucerna by Trolvag.

 

Por outro lado, o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano – é muito mais realista, porém igualmente inexato, pois dentro dos países com elevado IDH as diferenças muitas vezes são brutais. Basta analisar a maior potência do planeta, os Estados Unidos, e ver sua assimetria entre as regiões do litoral e do seu interior…Ou verificar os dados entre Paris e as demais cidades da França… Embora essa classificação inexata continue sendo amplamente utilizada, a mesma oculta a realidade das coisas e geram consensos equívocos… Principalmente quando se tratam dos países do chamado “terceiro Mundo” e de toda a narrativa estereotipada em relação aos mesmos…

 

No entanto, é crucial desafiar esses estereótipos e reconhecer o notável crescimento econômico experimentado por muitas nações da América Latina, África e Sudeste Asiático. Este artigo visa destacar o lado positivo dessas economias emergentes, enfatizando sua qualidade de vida em ascensão e o papel crucial que desempenham no cenário global.

 

Crescimento Econômico: Uma Realidade Inegável

 

Países rotulados como parte do “Terceiro Mundo” têm demonstrado um notável crescimento econômico nas últimas décadas, atuando muitas vezes como lastro do crescimento das nações de primeiro mundo. Vimos isso na América Latina durante a Crise do Mediterráneo, onde as filiais do Brasil, do México, da Colômbia, etc, mantinham as contas das matrizes localizadas no chamado “primeiro mundo”. 

 

Muitas nações na América Latina, na África e no Sudeste Asiático experimentaram taxas de crescimento robustas, impulsionadas por reformas econômicas, investimentos estratégicos e uma crescente participação no comércio global. Estas não são economias estagnadas, mas sim motores de desenvolvimento em pleno funcionamento, sem a deficiência demográfica das nações mais ricas nem a dependência de recursos primários como na maioria delas.

 

Trem de alta velocidade no Laos.

 

É impossível negar o avanço econômico das principais nações da América Latina, da África e da Ásia, embora seja rentável manter sempre a mesma narrativa e esse imagético dos países, já que sem eles o neoliberalismo fomentado pelas nações mais ricas seria impossível.

 

Mesmo quando 50% do PIB brasileiro foi resultado do consumo interno, quando a Bolívia implementou sua produção nacional ou quando a China comprou a dívida americana… foram sinais claros de que o mundo estava mudando, apesar dos discursos… e que, muitas vezes, vemos somente aquilo que desejamos ver de cada nação…

 

Qualidade de Vida em Ascensão

 

Ao contrário da narrativa negativa frequentemente associada aos países em desenvolvimento, a qualidade de vida está em ascensão em muitas regiões, claro está com as constantes oscilações típicas do capitalismo. Investimentos em educação, saúde e infraestrutura têm contribuído para melhorar as condições de vida. O acesso a serviços básicos, como educação de qualidade e assistência médica, está se expandindo, proporcionando uma base sólida para o progresso social. Em muitos países, o número de estudantes de Ensino Superior ultrapassou a barreira dos 10% da população, o turismo sul-norte foi ganhando expressão e o poder de compra local manteve economias inteiras… Porém, os detratores não usaram seus próprios países como medida de tal progressão, mas sim os índices das nações ditas “desenvolvidas”….

 

Países como Angola continuam crescendo, apesar dos seus desafios políticos. Foto de David Stanley.

 

No Brasil, por exemplo, teve empresário que ficou milionário com a ascensão de uma nova classe média, mas que não hesitou em atacar a mesma durante as eleições, pois usavam como parâmetro a realidade dos países mais ricos…

 

Shopping Itaquera, exemplo de como o aumento da classe média permitiu o incremento do consumo nos bairros da periferia. Foto de Anderson Bueno Pereira.

 

Porém, a cada saco de arroz consumido nesses países, se gerava economia internacional… e o incremento do consumo no chamado terceiro mundo foi tal que muitas empresas dos países desenvolvidos sobrevivem graças a eles… O que seria das grandes multinacionais sem os mercados de consumo dos países emergentes? 

 

Empresas como a espanhola Telefónica jamais teriam alcançado seus resultados sem o mercado latino, assim mesmo a portuguesa EDP e sua atividade no Brasil, montadoras de veículos tais como a VolksWagen jamais conseguiriam manter sua liderança e até instituições bancárias tais como o famoso Banco Santander não seriam o mesmo sem suas atividades no “terceiro mundo”.

 

Sede do Banco Santander Latam, em São Paulo, no Brasil. Foto de Hesteriana.

 

Superando desafios: Resiliência e Inovação

 

Esses países têm enfrentado desafios significativos, mas a resiliência é uma característica marcante. Inovações em setores diversos, desde tecnologia até agricultura sustentável, destacam a capacidade de adaptação e superação. Em vez de focar apenas nos obstáculos, é vital reconhecer e celebrar as soluções inovadoras que estão moldando o futuro dessas nações, que muitas vezes são julgadas por uma construção imaginária da sua realidade, que frequentemente são transmitidas pelos próprios cidadãos, já que são incapazes de ver o avanço, por usar sempre uma comparação contínua com aqueles países que usam de exemplo.

 

Vamos com alguns casos:

 

Brasil: O incremento do poder de compra permitiu o crescimento das empresas nacionais devido à demanda interna, assim mesmo a demanda pressionou o país para investimentos em educação, transporte, infraestrutura, distribuição de serviços, etc… tudo amplamente criticado pelos países mais ricos, que não demoraram em estimular mudanças no poder local, com o objetivo de fomentar as privatizações e transferir aquele rendimento econômico ás suas contas, se alimentando da necessidade antropológica das classes mais ricas em se auto-identificar como parte da elite global. Ainda assim, o país está longe de ser somente aquele Brasil que vemos retratado em filmes e séries, formado quase exclusivamente de favelas, sem infraestrutura alguma. Não que isso não exista, porém não deveria ser a imagem generalizada da nação.

 

Como o Brasil é visto. Favelas, no Rio de Janeiro, por Cheniyuan.

 

Como o Brasil também é. Marginal Pinheiro, em São Paulo, por NunysBR.

 

América Latina: Da mesma forma que acontece com o Brasil, existe uma imagem deturpada das nações latinas onde a pobreza e a violência parecem ser a única realidade que existe, sem de fato se aproximar das mudanças que vêm acontecendo nos últimos 30 anos. Nações como a Colômbia, o Paraguai, o Panamá, o Equador, o Peru, o México entre outros, ainda devem enfrentar uma série de preconceitos e uma imagem associada sempre às suas mazelas em lugar de suas conquistas.

 

Crítica feita na Internet sobre o famoso filtro sépia usado nos filmes que retratam o México.

 

Como também é o México. México DF by Yrovira 16.

 

África: Talvez seja o continente que mais sofre com a imagem internacional, primeiramente pelo fato de homogeneizar todo um continente, sem levar em consideração as grandes assimetrias que existem e posteriormente pelo fato de que somente ocupa as notícias quando se trata de algum problema derivado de sua economia ou política, reduzindo sempre as nações africanas a um papel miserável na discursiva internacional.

 

Como é vista a África. Kenia by Timothy Mburu.

 

Como também é o Kenia by Tall Black.

 

Sudeste Asiático. Eclipsados pela expansão da China, continuam sendo vistos como uma prolongação do Vietnã durante a guerra com os Estados Unidos, sendo muitas vezes resumidos de forma vexatória.

 

Como é visto o Vietnã, por Vyacheslav Argenberg.

 

Legenda: “O Terceiro Mundo que não queremos ver: desconstruindo estereótipos nas economias emergentes_15”: Foto: Como é também o Vietnã. Hanoi, por NKSTTSSHNVN.

 

Essas regiões não devem ser vistas apenas como destinatárias de ajuda, como nações pobres e pouco desenvolvidas, mas como protagonistas na cena global e em processos paralelos aos da comunidade internacional. Com uma população jovem e empreendedora, esses países estão se tornando centros de oportunidades para investimentos e parcerias. O crescimento econômico sustentável está transformando o “Terceiro Mundo” em líderes de mercados emergentes, e quando projetos tais como a ampliação dos BRICS chega aos ouvidos das potências globais, existe toda uma narrativa de deturpação com o intuito de desacreditar seu avanço, pois mudam o status quo e revelam que o famoso “Desenvolvimento” não é um movimento homogêneo, mas sim um processo assimétrico presente de diferentes formas nesses países.

 

Como é também o Vietnã. Hanoi, por NKSTTSSHNVN.

 

É crucial reconhecer a diversidade dentro do que é rotulado como “Terceiro Mundo”. Cada país tem sua própria história, desafios e conquistas únicas. A generalização é uma simplificação injusta que obscurece a riqueza das experiências e realizações individuais, além de aumentar o estigma dos cidadãos daqueles países.

 

Em vez de perpetuar uma visão unidimensional do “Terceiro Mundo”, devemos adotar uma abordagem mais holística. O crescimento econômico, a melhoria na qualidade de vida e as contribuições significativas para a inovação global estão redefinindo essas nações. É hora de superar estereótipos ultrapassados e reconhecer o potencial transformador dessas economias emergentes. Ao fazê-lo, construímos uma narrativa mais precisa e justa para o futuro global. Não sendo necessário negar os pontos negativos ou deficiências, porém não se concentrando somente nelas.

 

Fotografia de Wesley Sá Teles Guerra

 

Wesley Sá Teles Guerra, formado em Negociações Internacionais pelo Centre de Promoció Econômica del Prat de Llobregat (Barcelona), Bacharel em Administração pela Universidade Católica de Brasília, Pós-graduado em Ciências Políticas e Relações Internacionais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, MBA em Marketing Internacional pelo Massachussetts Institute of Business, MBA em Parcerias Globais pelo ILADEC, Mestrado em Políticas Sociais com especialização em Migrações pela Universidade de A Coruña (Espanha), Mestrado em Gestão e Planejamento de Cidades Inteligentes (Smartcities) pela Universitat Carlemany (Andorra) e doutorando em Sociologia e Mudanças da Sociedade Contemporânea Internacional. 

Atuou como paradiplomata e especialista em cooperação internacional e smartcities para a Agência de Competitividade da Catalunha (ACCIÖ – Generalitat de Catalunya), atualmente é colaborador sócio do Instituto Galego de Análise e Documentação internacional (IGADI) e do Observatório Galego da Lusofonia (OGALUS), Também participa como coordenador da área de Economia, Ciência e Tecnologia do CEDEPEM – UFF.

Idealizador e diretor do CERES – Centro de Estudos das Relações Internacionais, membro do Smart City Council, do IAPSS International Association for Political Sciences Studentes, do Consório Europeu para a Pesquisa Política, REDESS, Centro de Estratégia e Inteligência das Relações Internacionais e colaborador da ANAPRI.

Autor dos livros ”Cadernos de Paradiplomacia” (2021) e “Paradiplomacy Reviews” (2021) além de participar do livro “Experiências de Vanguarda, no ensino nos países lusófonos” publicado em 2021 pelo CLAEC e organizado pela Dra. Cristiane Pimentel. 

Professor, articulista e especialista: wesleysateles@hotmail.com




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