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EDITORIAL: UM ANO DE UMA GUERRA NÃO DECLARADA | Loreley Haddad

No dia 24 de fevereiro de 2022, teve início um conflito que, aparentemente, ninguém queria. Vladimir Putin, o precavido, já se preparava, armazenando reservas em ouro e divisas, para essa e outras eventuais necessidades. Mas, como foi possível chegarmos a esse conflito? Como ninguém fez nada para o evitar? Putin errou ao invadir a Ucrânia, nação irmã, ex-República Socialista Sovíética, a “Pequena Rússia”, berço da cultura ortodoxa russa, mas os sinais de alerta já tinham sido acesos, de longa data. Na verdade, desde finais dos anos 90, e, principalmente, nos anos 2000.

A Rússia a chama de “operação militar especial”, na Ucrânia. Mas, essa intervenção militar, que era para durar dias ou semanas, face ao poderio militar russo frente às forças ucranianas, vem-se arrastando e crescendo de patamar, na medida em que os países componentes da OTAN o alimentam com armas e munições e narrativas de poder. A ameaça à Rússia, nesse ínterim, não só persiste como aumentou. Na verdade, Biden afirmou, recentemente que, serão enviadas armas à Ucrânia sempre que necessárias. ou seja, a guerra não declarada trava-se entre EUA, UE, e demais parceiros da OTAN contra a Rússia.

Importante ressaltar que a OTAN começou em 1949 com 12 países do Atlântico Norte, com o propósito de se defenderem de possíveis ameaças da URSS. Em contrapartida, no bloco dos países aliados ou alinhados com os soviéticos, foi criado o Pacto de Varsóvia, extinto logo após o colapso da União Soviética. Na mesma medida, também deveria deixar de existir a OTAN. O ex-premier russo Mikhail Gorbaschëv, chegou a indagar a James Baker sobre possíveis ameaças ao seu país, o que lhe foi negado enfaticamente, sendo assinado um compromisso de não expansão da OTAN para os países do extinto Pacto de Varsóvia. Ao contrário disso, houve não só uma expansão como uma reconfiguração política e conceitual, a ponto de, em 2007, na Conferência de Munique, onde claramente já se percebia a intenção de se chegar às fronteiras russas, foi dado o alerta: é preciso parar a OTAN. Entretanto essa alargou-se tanto, que chegou a envolver-se em conflitos em países que não estão no Atlântico Norte, chegando, inclusive ao Afeganistão e Iraque. Além disso, caso a Ucrânia não faça parte, formalmente, ainda assim será respaldada pelo Artigo 5º do estatuto da OTAN. Ou seja, a OTAN tornou-se uma real ameaça à existência da Rússia. Estamos numa nova guerra fria.

Putin, realmente, deseja acabar com a soberania ucraniana, ou recuperar antigos domínios soviéticos ou mesmo czaristas, conforme a mídia hegemônica afirma? O recado de Putin tem sido dado de forma bastante clara e objetiva. Inúmeros pedidos do Chanceler Serguei Lavrov, experimentado diplomata russo, do próprio Putin, têm sido ignorados retumbantemente. Seu principal objetivo é, e sempre foi, impedir que a Ucrânia faça parte da OTAN, risco iminente de ameaça existencial, à sua integridade territorial e política. pois, na mesma medida, os Estados Unidos jamais aceitariam armas apontadas para o seu território, fosse à partir do Canadá ou do México.

Conforme sabemos, há ainda outras questões em pauta. A região do Donbass, foi atribuída à Ucrânia, desde os anos 90. O Acordo de Minsk, previa certa autonomia para a região do Donbass. Houve a aceitação prévia da Rússia e das repúblicas de Donetsk e Lugansk de tornarem-se então províncias da Ucrânia com autonomia. Em 2014, porém, houve um golpe de estado, monitorado e instrumentalizado pelos EUA e UE. O Presidente Yanukovich, pró Rússia, oriundo do Donbass, era o representante do “Partido das Regiões”. Após a sua destituição, deu-se uma luta armada e verdadeiro massacre dessa população. O seu sucessor, Parashenko, cortou acesso da população do Donbass à agua, luz, aposentadorias, escolas e todos os serviços públicos. Foram mortos 15 mil cidadãos, entre 2014 e 2022, no que se chamou de luta de libertação nacional. Essas repúblicas, então, não queriam pertencer a um estado que assassinava suas populações e lutavam por sua independência a fim de libertá-los, assim como a Crimeia (outra ex-república soviética),do jugo do governo com inclinações neofascistas em que se tornou a Ucrânia, que agregou ao seu governo o partido Svovoda, declaradamente nazi, ao seu exercito o Batalhão Azov, também declaradamente neonazista.

A guerra não declarada está numa escalada que preocupa todas as nações, com diversas tentativas em mediar o processo de paz entre os envolvidos, pois há o risco real de um conflito nuclear. Todos os esforços para o cessar-fogo são tentados, por diversos países. Recentemente a China, 2ª potência mundial, condenou a presença da OTAN e lançou 12 pontos para se chegar ao fim do conflito.

Também o Brasil deverá dar a sua contribuição, sendo a sua tradição diplomática para a construção da paz e respeito entre os povos. Cumpre ao Brasil, levar em conta o conceito de segurança coletiva e não ceder às pressões de Biden e Victoria Nuland para se posicionar ao seu lado, nem da Rússia de Putin para defender a sua postura agressiva. Criticar a guerra, as atrocidades cometidas por ambos os lados, sim. mas, permanecer neutro, respaldado pela própria Constituição brasileira, artigo 4º, relativo às relações internacionais. O Brasil, enfim, que permaneça na sua posição de defesa da paz, de não intervenção, apoiando a autodeterminação dos povos, buscando sempre a solução pacífica dos conflitos.

 

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