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Editorial: entre a esperança e o temor | Flávio Sant’Anna Xavier

EDITORIAL: ENTRE A ESPERANÇA E O TEMOR

 

A posse de Lula representou um sopro de esperança no Brasil. Como fênix, num pouco espaço de tempo saiu da prisão direto aos braços do povo, em campanha eleitoral emocionante e que culminará sua trajetória política de líder sindical e liderança do Partido dos Trabalhadores.

 

Iguala a marca de Getúlio Vargas, mas todas pelo voto democrático, o que se mostra fato único na história nacional, mais dada à ditadura que à democracia. Não é pouca coisa.

 

Este fato inédito também carrega traços próprios dos tempos atuais, com a ascensão vertiginosa da ultradireita e seus métodos violentos. Parece sobressair uma simbiose entre a ultradireita americana e a brasileira. Opera-se sinergia e coreografia, seja com a disseminação de fake-news, a toada hitlerista da violência como prática política e a própria negação do processo eleitoral, com o assalto aos prédios dos três poderes da República, como ocorrera no Capitólio.

 

Estados Unidos e Brasil são hoje, talvez, o laboratório da ultradireita ocidental. Esta nova conjuntura deveria soar como alerta para um cenário difícil nos próximos anos e cujo embate não pode ser subestimado.

 

Marx ensinou que os homens fazem a história, mas sob condições que não são criadas por eles. E hoje, as condições são favoráveis à ascensão de uma classe média empobrecida, raivosa e branca, movida pelo ódio às instituições e ao processo democrático.

 

O caldo de cultura para o avanço à intolerância é o maniqueísmo. Lula representa a defesa dos pobres, dos excluídos, das minorias e das vítimas de um país de enormes contrastes econômicos e sociais. Todos eleitos como alvos pela ultradireita, que ainda mantém laços estreitos com a chamada bancada BBB (Bíblia, Bala e Boi) e os grandes financistas nacionais.

 

Lula necessitará de toda a sua intuição política para a formação de uma ampla coalização, que de um lado expurgue a influência militar (nos cargos comissionados e no aparelho militar golpista) na sociedade civil e de outro promova inclusão econômica e social. Tarefa de enorme envergadura, que exigirá não somente de Lula, mas dos democratas em geral. Caminho difícil e longo.

 

A ameaça da intolerância e do militarismo ainda se soerguerá como espada de Dâmocles sobre nossas cabeças durante o mandato de Lula. Numa marcha de retrocesso e avanço, conservação e reforma, calmaria e luta, penderá num fio de rabo de cavalo que também representará esta maré histórica.

 

As crises também são parteiras de mudança. Se o apelo à ditadura ecoa forte é porque a democracia se enfraqueceu e há espaço para aprofundá-la, com ampliação do apelo popular e criação de novos instrumentos de transparência e participação. Não se pode defendê-la só com palavras nem com juízes isolados dos seus pares. É hora de resistir e avançar. Não há outro caminho.

 

Fotografia de Flávio Sant’Anna Xavier

 

Flávio Sant’Anna Xavier é Procurador Federal desde 1997. Autor de obras e artigos jurídicos na área do Direito Agrário e Administrativo. Autor do livro de contos “Guris” (2016).



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