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Editorial de abril | Myrian Naves

Anualmente as imagens da Revolução de 25 de Abril de 1974 em Portugal retornam através da mídia. Imagens da queda do Salazarismo nos chegaram por reportagens, depois registradas em documentário realizado coletivamente na semana inicial. Lembro a reportagem do telejornal, as imagens impressionantes, poéticas. Os gestos, a naturalidade, como deveria ser a alegria de fazer parte. A liberdade como um bem comunitário. Meus pais choraram abertamente, minha mãe se levantou e abraçou meu pai. As imagens eram em preto e branco, menos os cravos, é comum encontrar o tratamento da imagem para que o cravo surja em vermelho. O impacto com a Revolução dos Cravos não foi passageiro. 

Neste abril uma professora brasileira morreu em atentado cometido por um aluno, menor impúbere, que feriu professoras e mais alunos. Quem se despediu dele na porta de casa? Os responsáveis participavam de suas escolhas ao assistir à TV, acompanham seus acessos na web? Havia a proximidade necessária de quem educa, avalia, e se preocupa? Quem lhe permitiu acesso livre ao celular, o porte de uma faca? Qual o papel das instituições escolares?  O cérebro de um ser humano inicial não tem a capacidade de análise e conclusão a partir do que lhe chega do contato com o mundo sem ter a mediação de um responsável, é fato. 

Que se pretende verdadeiramente dando acesso a crianças às redes virtuais, adequação? Adestrar o ser em formação, poupar gastos de treinamento a empregadores futuros do operário? Duas pontas do mundo do trabalho, jovens e aposentados, reúnem as pontas neste conteúdo. Nas redes, o acesso imediato a imagens e depoimentos nos transportam a locais em que ocorrem os fatos, a análises muito diversas. A democracia colocada em discussão em protestos, manifestações legítimas no espaço público e também ataques terroristas. Agora são gravadas imagens nas escolas, durante as aulas. Tudo remete ao possível monitoramento de informações e à coleta de dados pessoais de cidadãos e argumentam que a época exige acionamento imediato das defesas. Neste atentado não aconteceu assim. 

As imagens da Revolução dos Cravos em frame sob frame postado em sequência infinitamente recorrente, em  mise en abyme, cópias de uma imagem dentro de si mesma,. Uma história dentro de uma história. O mau uso de imagens não as define como um mal em si. O sentido abismal da experiência procede, como estivéssemos entre dois espelhos, imagens resultantes de uma reprodução infinita da realidade. Há conceitos que são significativos, ao mesmo tempo tememos que a reprodução infinita esvazie significados. Necessário legislar sobre o assunto. Que não soe como historinha emoldurada em lição de casa na escola. Importa passar por experiências significativas de redenção. A reprodução de imagens não é um mal em si. Não definir os limites, sim. Que novas gerações possam vivenciar experiências como possibilidades, não como uma sucessão pendular e infinita de tentativa e frustração.

 

Myrian Naves, brasileira, poeta, escritora, editora e professora de Literatura Brasileira. Em comemoração ao Centenário do escritor José Saramago em 2022, organizou a antologia de contos inéditos “Todos os Saramagos”, de autores brasileiros e portugueses pela Páginas Editora, juntamente com a editora Leida Reis. Publica em 2023, “Monami”, poema, pela Páginas Editora. Faz parte do Conselho Editorial de InComunidade. Participa de publicações em revistas, em antologias. Criou a Cantaria, artes e ofícios, nas relações entre literatura. artes e educação.



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