Sociedade

Achas para a fogueira do canibalismo e pouco animadoras notícias do Brasil no ano 1550 | José Manuel Simões

As relações entre portugueses e indígenas eram aziagas e com os franceses e holandeses ainda menos pacíficas. Os portugueses construíram um forte numa baía da Paraíba, chamada, pelos índios de Acajutibiró, de terra de caju azedo e, pelos portugueses, de Baía da Traição, com o objetivo de protegerem o comércio da ladroeira dos franceses e tornarem mais seguros os engenhos de açúcar que tinham parado de lavrar “com temor dos índios que os queimavam e destruíam”.

 

Um nativo denunciou ao colono o local da floresta onde Sinã e seus mil índios – que tinham sobrado dos 12 mil – se escondiam. Nesse mesmo local, uma espécie de caverna, a grota, muitos deles foram assassinados. Por estarem na mata a colherem frutos selvagens, araçá e acerola, Sinã, Itapiã, Colibri e Tupiá sobreviveram.

 

Porém, Gabriel Soares de Sousa, senhor de engenho, abastado colono agrícola e explorador de minas preciosas, mais de cem quilogramas de peso, longa tez e ar pesaroso, encarregado de dar conta dos acontecimentos a D. João III – que viria a morrer de trombose cerebral a 11 de Junho de 1557, com 55 anos – relata pouco animadoras “Notícias do Brasil”. Narra que o “gentio tanto mal tem feito aos moradores das capitanias de Pernambuco e Tamaracá e à gente dos navios que se perderam pela costa da Paraíba”; que “fazem crudelíssima guerra uns aos outros”; que “costumam não perdoar a nenhum dos contrários que cativam, porque os matam e comem logo”; que “é um gentio muito belicoso, guerreiro e atrevido e amigo dos franceses a quem fazem sempre boa companhia e industriados inimigos dos portugueses”. Mais achas para uma fogueira em que o canibalismo conferia aos portugueses as bases éticas, morais e religiosas para justificar as ofensivas e ataques, as tentativas de escravatura, a catequização e o domínio.  

 

  1. João III é informado que os franceses, apontados como sendo os primeiros a chegar às terras da Paraíba, se tinham aliado aos hostis pitiguares, conseguindo com isso uma aliança de peso e mais fácil acesso ao pau-brasil do Rio Paraíba – do qual era extraída uma tinta usada para tingir tecidos – manobra atenuada pelas alianças matrimoniais que os portugueses encetavam com mulheres de outras tribos.  

 

Os franceses, com “savoir faire” e engenho, relacionavam-se harmoniosamente com os nativos, interagindo, traduzindo, compreendendo as nuances da cultura local, aproximando-se do colonizado, alguns tornando-se igualmente canibais. 

 

Em 1600, três anos após o falecimento de Dom João III, chegaram os holandeses, determinados em fazer valer a sua fama de piratas. Expulsaram os portugueses da região e iniciaram um processo de catequização que conduziu à vinda de missões, seitas religiosas e consequente apropriação de terras. 

 

Dos 100 mil índios de todo o litoral nordestino do Brasil, apenas 11 mil sobreviveriam. Dos mil pitiguares que tinham resistido aos ataques tinham morrido cerca de 200 na grota e outros tantos de doenças para eles desconhecidas. 

 

No processo de colonização, no papel desempenhado pela monocultura da cana-de-açúcar, na usurpação das terras das reservas, os índios iam definhando até morrerem. Os que restavam não se continham, revoltavam-se, fugiam dos engenhos. 

 

Fotografia de José Manuel Simões

 

José Manuel Simões é Professor Associado e Coordenador do Departamento de ‘Communication and Media’ da Universidade de São José, Macau-China. Tem um pós-doutoramento em Ciências da Comunicação pela Universidade Católica Portuguesa, doutoramento em ‘Global Studies’ na Universidade de São José e Mestrado em Comunicação e Jornalismo na Universidade de Coimbra. É especialista em assuntos do Brasil, país sobre o qual já publicou três livros, dezenas de artigos académicos e centenas de artigos jornalísticos. 

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