Ciência

Quando até os especialistas dizem disparates… | Marinho Lopes

 

Michio Kaku já apareceu nas notícias a defender que neste momento as evidências indicam que os OVNIs (ou UFOs em inglês) existem e deu a entender que a sua origem deve ser extra-terrestre:

[youtube video: https://youtu.be/d-WC1wrWJ64 ]

Qual o problema? Por definição, um Objecto Voador Não Identificado (OVNI) é algo que não sabemos o que é (ou pelo menos não é do conhecimento público). Isto não implica que seja de origem extra-terrestre, claro.

 

Michio Kaku não está sozinho na “elite” dos que já proferiram disparates. Stephen Hawking, por exemplo, afirmou no seu último livro que não há possibilidades de Deus existir. Como Deus não é um conceito científico passível de verificação experimental, é claro que a afirmação é absurda. O argumento de Hawking é que, como não existia tempo antes do Big Bang, Deus não poderia existir antes da criação do universo. Um argumento caricato porque assume que a existência pressupõe tempo e que isto se aplica tanto ao universo como ao seu suposto criador. Hawking também proferiu outros comentários no mínimo questionáveis, como por exemplo a profecia de que a Inteligência Artificial pode aniquilar a humanidade. É possível que possa, mas neste momento a afirmação parece mais um alarmismo inoportuno, do que um aviso necessário.

 

Até mesmo entre Prémios Nobel é possível ouvir muito disparate. Por exemplo, Ivar Giaever, Prémio Nobel da Física em 1973, afirmou que não havia aquecimento global, quando na verdade há múltiplas provas e consenso científico sobre o aquecimento global. Luc Montagnier, Prémio Nobel da Medicina em 2008, não só apoiou múltiplas pseudociências, como a homeopatia, como até contribuiu para a histeria em torno das vacinas. Aliás, até nomes incontornáveis da História da Ciência do século XX, como Wolfgang Pauli (Nobel da Física em 1945) e Linus Pauling (Nobel da Química em 1954) defenderam diversas idiotices e até mesmo pseudociências. Este “fenómeno” é apelidado de doença Nobel, dada a sua prevalência entre os premiados.

 

Não vou, porém, fazer aqui um levantamento de todos os disparates que já foram ditos por gente que tinha o dever de ser imune a este tipo de erros, ou pelo menos a uma parte deles. É importante notar que os disparates de cima podem ser essencialmente divididos em dois tipos diferentes: ou são de carácter opinativo sobre assuntos que os questionados não dominam, ou são de carácter pseudocientífico. Por exemplo, Ivar Giaever deu a sua opinião desinformada sobre as alterações climáticas. É grave estar tão mal informado, mas a verdade é que a área de estudos de Giaever era uma outra completamente diferente. Se por um lado o próprio tem culpa em exprimir uma opinião desinformada sobre um assunto que não domina, por outro é comum que a culpa seja em parte partilhada por quem faz a questão. Infelizmente, é comum ver-se divulgadores de ciência a serem questionados sobre todas as ciências não obstante a sua formação estar restringida a uma dada área. Não quero dizer que digam sempre disparates (muitas vezes estão bem preparados), mas a probabilidade destes emergirem é maior do que caso as questões fossem sempre personalizadas tendo em conta o conhecimento do divulgador e/ou cientista interpelado. Assim, quando o entrevistador faz a questão errada e o entrevistado responde na qualidade de indivíduo com opiniões e não na qualidade de divulgador especialista no assunto, cabe ao público ter o espírito crítico para questionar a informação recebida. Isto implica que todos nós quando lemos, ouvimos ou vemos uma entrevista, documentário, comentário, etc., temos que verificar credibilidade do “mensageiro” dada a “mensagem” em causa. E, claro, mesmo que o mensageiro seja versado na mensagem, tal não implica que a mensagem seja verdadeira.   É por isso importante não ser um “fã” crédulo de ninguém de tal forma que se acredite em tudo o que essa pessoa diz sem questionar.

O outro tipo de disparate, o da pseudociência, é mais grave. Um cientista e/ou divulgador, seja de que área for, deve (ou deveria) saber distinguir ciência de pseudociência. A diferença é que a ciência é conhecimento baseado em evidências experimentais reproduzíveis, enquanto que a pseudociência é um conjunto de alegações sem evidências que as comprovem, mas que simula fazer parte da ciência. A homeopatia é um dos exemplos mais conhecidos, mas há mais: todas as medicinas alternativas são pseudociência, pois são “alternativas” precisamente por não mostrarem provas válidas da sua eficácia. Todas as que eram válidas passaram a fazer parte da medicina convencional moderna. As pseudociências têm, à partida, um tempo de vida limitado: ou se bem que são encontradas provas que as comprovem e por isso são englobadas na ciência, ou acabam esquecidas. A Frenologia é um exemplo de uma pseudociência que morreu face à ausência de confirmação prática.

Deixo aqui uma pequena lista de pseudociências e de questões ou assuntos pseudocientíficos para consulta:

  • Astrologia (e todos os tipos de adivinhação)
  • Espiritismo (e afins)
  • Negar alterações climáticas
  • Homeopatia
  • Reiki
  • Osteopatia
  • Acupuntura
  • Naturopatia
  • Movimento anti-vacinas
  • Cura pela fé (medicina vibracional, cura psíquica, terapia enérgitica e afins)
  • Misticismo quântico (e afins)
  • Feng shui
  • Quiropraxia
  • Psicanálise
  • Frenologia
  • Criacionismo (e “design inteligente”)
  • Terra plana
  • Fiabilidade do polígrafo
  • Parapsicologia
  • Triângulo das Bermudas
  • A não ida à Lua
  • Experiências de quase morte
  • etc.

 

(Podem consultar esta lista que é um pouco mais completa.)

A mensagem deste artigo é pois um alerta: por vezes, nem nos especialistas podemos confiar, em particular se forem especialistas de assuntos diferentes daqueles sobre os quais se expressaram. Naquilo que dominam podemos ouvi-los com maior confiança, mas se possível devemos ainda assim procurar confirmações e refutações (e avaliar a credibilidade de cada uma delas).

 

“Não sei nada sobre o assunto, mas terei todo o prazer em dar-lhe a minha opinião especializada.”

 

 

Marinho Lopes é Doutor em Física pela Universidade de Aveiro.

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