PÉLAGO
Chego de ter ido até o fim da página
a remo
De ter o atlântico aprofundado
no corpo
O pôr-do-sal
de uma ponta à outra das nossas línguas
Chego
de ter segurado uma onda
nos braços
Emergido uma clave pelo canto
da boca
Em reconvexo cavalo-marinho
Minha sílaba tônica é o mar
ENCHARCADOS
Antes de ir,
deixarei sob a chuva os livros
que mais amo
E você não poderá
incendiá-los
QUERENÇA, OU, DOS RESTOS MORTAIS DOS AQUÍFEROS
Que sei da sua vontade de ser seixo
rolando
hidrografado
Leito nenhum onde parar
Sei que numa noite
evadiu-se, como a chuva
essa água assustada, açoitada, perplexa
água ceifada
e não há remorsos dos que jamais dançaram por ela
Sei que se chamava vontade
e que era afoita
Queria ser
como cada coisa que pudesse
ser
atravessada pela água
E que fora
Levada
Lavada
Por um rio
que não existe mais
DESATO
Ando a nado
Minha pressa é de alcançar um baque-virado
onde a onda é raiz
Ensaio águas para a sede de meio século de mundo
E cato meus banzos, e danço meus búzios
de flecha em riste
Vivi por trinta sóis a secura na boca
o vazio de uma voz para dentro
Não tenho medo de ser sem entes
Quando e se o reencontro chegar
caros oponentes
Minha fala polêmica agulhará
tudo que não trespassei com meu corpo
Meu corte é através dos laços
CORAL
Não sou alguém que mora, muito embora
longe de casa
Morada, teu nome é meu mar
Quando morrer, quero virar coral
Katyuscia Carvalho: nascida no interior de Pernambuco, Brasil, licenciou-se em Letras e divide sua existência entre alpes, península ibérica e atlântico sul. Tem poemas, traduções e ensaios publicados em antologias e revistas literárias de um lado e outro do Atlântico. Publicou dois livros de poemas: Vermelho Rupestre, 2015, e De Atlântica Cor, 2023, ambos pela Editora Patuá.