Depressive Stayer
Herberto seu cabrão
não vou contigo
ao inferno.
Meu deus,
não faças de mim
um poeta obscuro.
Olha para eles
todos ridentes
filhos da puta
Falésia,
pára de me empurrar
que eu sou um desfiladeiro.
Mar, ¿entras tu
ou entro eu?
não fodes
nem sais de cima.
¿Por que raio é tão difícil
coincidir a vida bela
e a escrita íntima
sem que pareça
um livro de auto-ajuda?
¿Que conclusões tenho eu
se não quero ser político?
¿Que perguntas tenho
se não moro em nenhuma filosofia?
No entanto, alimento-me de ambas.
Mendelsohn, se eu soubesse
que eras isto, nunca me apaixonava
pelo teu nome.
A Dança dos Palhaços
é bem mais interessante
com o disco riscado.
Tive um momento epifânico, querido Al Berto
Aqui no alto das amoreiras, de facto
o mar entra pela janela
¿e este sol, querido Al Berto?
Que nos ofusca que nos suga
na sua circularidade perfeita
não é decerto
um sol qualquer
é um sol que é homem
e também mulher.
Devaneio
Yo estoy a lavorare on an árbol.
Le puso unas penas nos ramos,
pintei-as de amarillo y rose.
Inquietei-me, quebrei one or two
mas felices were the feathers and their happy little colores
e os ramos velhos, que arrebatei a un moribundo árbol,
were now the portrait de la juventud dos ramos:
un hombre cerca de la muerte que no piensa en la muerte.
Dime, que quadro are you painting?
Ok, suponhamos que é um quadro,
não será um quadro algo que puede vivir?
Indeed! And can the branches fly con esas tiny little feathers?
Que feathers? Penas, estes ramos têm penas.
But look! They’re trying to fly!
Tentam voar porque estão felizes,
pero los enganei parti-lhes as penas e de qualquer maneira
não os ensinei a voar
They’ve reached out
Ya me he precavido
They’re falling
Eu sei
That’s cruelty.
That’s art.
Ma Maybe un Miraggio
Fotografo os ensimesmados
os autómatos confusos
os derrotados. Os apáticos os
paralisados
os líderes
descontrolados:
behold the structure of Industrialization.
I implore thee:
Do not trust the arrows
Trust lets you be
Ma maybe un miraggio
parlo di una bellezza fina
a que os mortais apaixonados
sucumbem, quizás
una luz unitária.
O viajor emancipado
ledor dos caminhos derrotados
sabe das miragens
das mais triviais às
mais prometedoras.
Segue-as ainda,
sabe della transición serendipitosa
da busca eterna.
Ma maybe un miraggio
distante
della mirada pesante.
Diversidade ontológica dentro da luz
diversidade de diversas luzes
pudesse o homem ter a visão de uma montanha
e eu seria admirador.
Bela fealdade
que espanto assombroso
novidade pungente
nel mundo horroroso.
Desejássemos nós
verdadeiramente prolongar
those who lose dreaming
those who are lost
pero como podem os cobardes
entrar a bordo do Beleza?
Sequazes da morte vazia
de não mais voltarem a ser homens
de não mais serem capazes
de reconhecer a beleza.
Mistaken by the answers of the wicked
muro movente de musculatura
só musculatura.
Ma maybe un miraggio
parlo di bellezza
bellezza compulsiva.
Cais vindouro, ilusión
dos viandantes
un unguento
sobre o lento
passador de memórias.
Ma miren los árboles, those
who question madness
the horror
who question joy
all things, Life
for the sake of immensity.
Acima de tudo: a vida!
Os animais todos!
A proximidade!
é como se te torcesses todo
e acordasses centauro:
ei-lo, o ritmo convicto da existência.
Poemas Inéditos
1
Mas, sabes, conheço
a insensibilidade do fogo.
Há multidões que o atiçam, pero
me alejo y cierro los ojos –
encuentro siempre los afluentes dos rios.
E quando me ergui
inspirado no dia em que
falei de vós ao Sol?
Aquele inefável desiderio de
alcançar lo invisible. Sair de mim,
experimentar os outros, transcender os corpos, voar. Hochfliegen. Voar convosco en mis espaldas.
Deixar em terra el pânico
del hombre perdido, rapinado
do sorriso eterno, o que
esvoaça os ventos. A raiva
del uomo perduto. And can you really feel
la parola raiva? É entrar no carro,
start the engine, arrancar.
Ir gritando
com a garganta inteira invocando
as entranhas. Testar se
será possível partir
assim os vitrais. Ficar rouco
subitamente soluçar.
Veloz é a passagem do sonho ao tornado,
mas a vida importa
mais que o sentimento.
Sonho, tornado, realidade.
2
Escondem-se palavras
em recantos luminosos. Dotadas
de arqueologia poética procuram
elos ancestrais, tão diferentes
na forma, tão semelhantes
nos sonhos nas demandas
que pousam a planar.
De terrenos alagados brotam
palafitas, as pirogas são a estrada,
os fósseis a fonética
de palavras nunca escritas.
Colhem-se fragmentos, juntam-se os cacos,
assim é o passado.
3
Sou capaz de ficar horas
a olhar-me ao espelho.
Adónis
dizia minha mãe,
vaidoso
dizia minha namorada.
Mas eu tenho conversas profundas
com todas as minhas idades.
Dinis Lapa (n. 1982) passou a infância em Macau, onde venceu alguns prémios de poesia e conto infanto-juvenis. Em 2010 publicou haikus na colectânea De Frente para o Mar. Em 2021 publicou Barbabélico (Douda Correria). Foi membro dos Guta Naki e atualmente dos Hal e os Arqueiros. É poeta, tradutor literário e músico.