Poesia & Conto

Poemas | Dinis Lapa

Depressive Stayer

 

Herberto seu cabrão

não vou contigo

ao inferno.

Meu deus,

não faças de mim

um poeta obscuro.

 

Olha para eles

todos ridentes

filhos da puta

 

Falésia,

pára de me empurrar

que eu sou um desfiladeiro.

 

Mar, ¿entras tu

ou entro eu?

não fodes

nem sais de cima.

 

¿Por que raio é tão difícil

coincidir a vida bela

e a escrita íntima

sem que pareça

um livro de auto-ajuda?

 

¿Que conclusões tenho eu

se não quero ser político?

¿Que perguntas tenho

se não moro em nenhuma filosofia?

No entanto, alimento-me de ambas.

 

Mendelsohn, se eu soubesse

que eras isto, nunca me apaixonava

pelo teu nome.

A Dança dos Palhaços

é bem mais interessante

com o disco riscado.

 

Tive um momento epifânico, querido Al Berto

Aqui no alto das amoreiras, de facto

o mar entra pela janela

¿e este sol, querido Al Berto?

Que nos ofusca que nos suga

na sua circularidade perfeita

não é decerto

um sol qualquer

é um sol que é homem

e também mulher.

 

Devaneio

Yo estoy a lavorare on an árbol.

Le puso unas penas nos ramos,

pintei-as de amarillo y rose.

Inquietei-me, quebrei one or two

mas felices were the feathers and their happy little colores

e os ramos velhos, que arrebatei a un moribundo árbol,

were now the portrait de la juventud dos ramos:

un hombre cerca de la muerte que no piensa en la muerte.

 

Dime, que quadro are you painting?

Ok, suponhamos que é um quadro,

não será um quadro algo que puede vivir?

Indeed! And can the branches fly con esas tiny little feathers?

Que feathers? Penas, estes ramos têm penas.

But look! They’re trying to fly!

Tentam voar porque estão felizes,

pero los enganei parti-lhes as penas e de qualquer maneira

não os ensinei a voar

They’ve reached out

Ya me he precavido

They’re falling

Eu sei

That’s cruelty.

That’s art.

 

Ma Maybe un Miraggio

 

Fotografo os ensimesmados

os autómatos confusos

os derrotados. Os apáticos os

paralisados

os líderes

descontrolados:

behold the structure of Industrialization.

I implore thee:

Do not trust the arrows

Trust lets you be

 

Ma maybe un miraggio

parlo di una bellezza fina

a que os mortais apaixonados

sucumbem, quizás

una luz unitária.

O viajor emancipado

ledor dos caminhos derrotados

sabe das miragens

das mais triviais às

mais prometedoras.

Segue-as ainda,

sabe della transición serendipitosa

da busca eterna.

Ma maybe un miraggio

distante

della mirada pesante.

 

Diversidade ontológica dentro da luz

diversidade de diversas luzes

pudesse o homem ter a visão de uma montanha

e eu seria admirador.

 

Bela fealdade

que espanto assombroso

novidade pungente

nel mundo horroroso.

Desejássemos nós

verdadeiramente prolongar

those who lose dreaming

those who are lost

pero como podem os cobardes

entrar a bordo do Beleza?

Sequazes da morte vazia

de não mais voltarem a ser homens

de não mais serem capazes

de reconhecer a beleza.

Mistaken by the answers of the wicked

muro movente de musculatura

só musculatura.

 

Ma maybe un miraggio

parlo di bellezza

bellezza compulsiva.

Cais vindouro, ilusión

dos viandantes

un unguento

sobre o lento

passador de memórias.

Ma miren los árboles, those

who question madness

the horror

who question joy

all things, Life

for the sake of immensity.

Acima de tudo: a vida!

Os animais todos!

A proximidade!

é como se te torcesses todo

e acordasses centauro:

ei-lo, o ritmo convicto da existência.

 

Poemas Inéditos

 

1

 

Mas, sabes, conheço 

a insensibilidade do fogo. 

Há multidões que o atiçam, pero 

me alejo y cierro los ojos – 

encuentro siempre los afluentes dos rios. 

E quando me ergui 

inspirado no dia em que 

falei de vós ao Sol? 

Aquele inefável desiderio de 

alcançar lo invisible. Sair de mim, 

experimentar os outros, transcender os corpos, voar. Hochfliegen. Voar convosco en mis espaldas. 

Deixar em terra el pânico

del hombre perdido, rapinado 

do sorriso eterno, o que 

esvoaça os ventos. A raiva 

del uomo perduto. And can you really feel 

la parola raiva? É entrar no carro, 

start the engine, arrancar. 

Ir gritando 

com a garganta inteira invocando 

as entranhas. Testar se 

será possível partir 

assim os vitrais. Ficar rouco 

subitamente soluçar.

Veloz é a passagem do sonho ao tornado, 

mas a vida importa 

mais que o sentimento.

Sonho, tornado, realidade.

 

2

 

Escondem-se palavras 

em recantos luminosos. Dotadas 

de arqueologia poética procuram 

elos ancestrais, tão diferentes 

na forma, tão semelhantes 

nos sonhos nas demandas 

que pousam a planar. 

De terrenos alagados brotam 

palafitas, as pirogas são a estrada, 

os fósseis a fonética 

de palavras nunca escritas. 

Colhem-se fragmentos, juntam-se os cacos, 

assim é o passado.

 

3

 

Sou capaz de ficar horas 

a olhar-me ao espelho. 

Adónis 

dizia minha mãe, 

vaidoso 

dizia minha namorada. 

Mas eu tenho conversas profundas 

com todas as minhas idades.

 

 

Dinis Lapa (n. 1982) passou a infância em Macau, onde venceu alguns prémios de poesia e conto infanto-juvenis. Em 2010 publicou haikus na colectânea De Frente para o Mar. Em 2021 publicou Barbabélico (Douda Correria). Foi membro dos Guta Naki e atualmente dos Hal e os Arqueiros. É poeta, tradutor literário e músico.




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