Política

As escolas cívico-militares | Ana Rosa

AS ESCOLAS CÍVICO-MILITARES

 

Nos últimos quatro anos surgiu no Brasil uma proposta de militarização das escolas públicas, que começou a ser colocada em prática.

 

No imaginário popular de algumas famílias brasileiras, isso significaria melhorar a qualidade do ensino. O que as leva a essa crença é o bom desempenho acadêmico dos 14 colégios militares, que o exército mantém com muito esmero, nos Estados do Amazonas, Pará, Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal. Porém, há diferenças abissais entre os dois modelos de educação e poucas pessoas conseguiram enxergar o estelionato educacional em curso.

 

A reflexão a se fazer não é pequena. Os colégios militares têm muito recurso, coisa que as escolas públicas não têm. Amplos espaços, bandas, laboratórios, piscina, boas instalações esportivas, boas salas de aula, e seleção natural. Filhos de militares têm matrícula garantida e filhos de civis podem entrar via prova de acesso, ainda na tenra idade de 11/12 anos. Esse pequeno vestibular é anual e é muito comum jovens repetirem a prova e, consequentemente, repetirem de ano, para conseguir entrar no 6⁰ ano. A segunda oportunidade de entrada para filhos de civis é no Ensino Médio, quando podem novamente tentar a prova de acesso. Este contexto faz com que esses colégios garantam os melhores alunos e sempre se destaque em feiras de ciências, robótica, competições nacionais e internacionais etc.

 

O colégio militar forma militares. A escola pública forma civis. Isso parece bastante óbvio, mas há que se admitir que não está tão claro assim para todas as pessoas. Em um colégio militar, os jovens são disciplinados para pensar em defesa de fronteiras, defesa do país, atuação em guerras, inclusive híbridas e de inteligência, são ensinados a dar a vida pela pátria, a serem duros e resistentes, obedecer hierarquicamente sem questionamentos, são selecionados por prova de acesso, não há inclusão porque não se envia PCDs, pessoas com deficiências, para guerras. Ao contrário, as pessoas voltam das guerras em frangalhos e precisam do amparo, não somente de seus pares militares, mas da sociedade civil. 

 

As escolas públicas formam a sociedade civil que acolhe, seja em tempos de guerra, seja em tempos de paz. As escolas públicas são inclusivas. As escolas públicas não fazem prova de acesso, não selecionam ninguém, elas existem para todos, sem nenhuma exceção. É crime deixar qualquer pessoa de fora da escola pública, mas não é crime deixar de fora dos colégios militares.

 

A gosto de uns e contragosto de outros, algumas escolas públicas foram militarizadas. Quem apoiou, o fez iludindo-se e sonhando que aquela escola se transformaria como num passe de mágica em um dos tão famosos colégios militares. Quem não quer a melhor educação para seus filhos e filhas?

 

Porém não foi o que aconteceu. A realidade foi outra. As escolas militarizadas não receberam os mesmos recursos e não se tornaram iguais aos colégios militares. Era mais um ataque à educação da base da sociedade, dos filhos dos trabalhadores. Ora, quem está na escola pública é o filho do trabalhador, o filho da elite está na escola privada, protegido da realidade. Como se diz aqui no Brasil, cada um no seu quadrado. A intenção da militarização das escolas públicas era o controle dos professores, para combater a construção da cidadania do pobre. O que incomoda é ver crescer, ao longo da educação básica, a consciência de classe, o conhecimento dos direitos, a diversidade na escola, os cabelos afro livres de opressões esteticamente racistas, jovens LGBTQIAP+ ou com deficiências circulando pela escola como qualquer outro estudante e os professores cúmplices dessa “bagunça” toda, acusados de “professores doutrinadores, sequestradores de crianças, piores que traficantes de drogas”. É o desespero do opressor ao ver o oprimido se libertando da opressão e ganhando cidadania. 

 

Professores e estudantes não se calarão. A caminhada continua, rumo à construção de sociedades diversas, democráticas, com escolas públicas de qualidade, com cada vez mais tecnologia e internacionalização, ensinando as minorias a ter voz e a lutar por um bem viver para todos. Como disse uma vez o grande escritor uruguaio Eduardo Galeano, é utopia, eu sei. Talvez não viva para alcançá-la, mas caminhar em direção a ela faz com que eu siga adiante.

 

Fotografia de Ana Rosa

Ana Rosa Chaves Marwell de Oliveira é formada pela Universidade de Brasília, professora de códigos e linguagens da SEEDF e atua na Sala de Recursos do CIL de Brasília, um Centro de Línguas público, há mais de 10 anos. Trabalha com pré-adolescentes e adolescentes com deficiência, garantindo a inclusão escolar ampla e irrestrita.



Qual é a sua reação?

Gostei
0
Adorei
0
Sem certezas
0

Também pode gostar

Os comentários estão fechados.

More in:Política