

ELE ERA O VENTO JOVEM
Ele era o vento jovem
E a sua voragem
Adorava devorar as flores carnívoras
Os seus dedos de moça
A sua cabeça incendiada.
As palavras suspensas num pêndulo
Ele não as ouvia
Tinha apenas o corpo
E a sua loucura.
Não via o pensamento
Nem as imagens
Não via a multidão que o olhava
Nem as memórias inquinadas
Caminhava sobre a areia e a espuma
Desejava com sofreguidão de criança
Todas as bilhas da terra
Água vinho e mel
E gritos selvagens
Tenazes ardendo sobre a pele
Tenazes fazendo ferver
A alma.
A MINHA ALMA TEM DENTRO DE SI
A minha alma tem dentro de si
Tantas almas
Tabernáculos com tabernáculos
Dentro
Divinas labaredas
A minha alma escaravelho vivo dentro do âmbar
Cheio se metamorfoses e revoltas
De sombras de vida em direção ao sol
A minha alma água
Que parece parada
Mesmo quando passa
A minha alma sedenta de incêndios
Que chuva a irá apagar?
SOMOS UM CARACOL NOS CORNOS
Somos um caracol nos cornos
De Deus
Um rasto de ranho
O seu esqueleto exterior
Os seus escravos pesados
O seu sol para si.
Convivemos com o nada
Infinitamente mortos
E no entanto
Somos a alma de uma labareda
Onde à noite vão beber
Os astros mudos
As estrelas cadentes
E esse Deus em sua queda infinita.
HENRIQUE DÓRIA


Fotografia de Henrique Dória
É advogado e colaborou no Diário de Lisboa Juvenil e nas revista Vértice e Foro das Letras. Tem quatro livros de poesia e três de prosa publicados. É diretor da revista online incomunidade.com, e da radiotransforma.