Poesia & Conto

Três poemas | Henrique Dória

ELE ERA O VENTO JOVEM

 

Ele era o vento jovem

E a sua voragem

Adorava devorar as flores carnívoras

Os seus dedos de moça

A sua cabeça incendiada.

As palavras suspensas num pêndulo

Ele não as ouvia

Tinha apenas o corpo 

E a sua loucura.

Não via o pensamento

Nem as imagens

Não via a multidão que o olhava

Nem as memórias inquinadas

Caminhava sobre a areia e a espuma

Desejava com sofreguidão de criança

Todas as bilhas da terra

Água vinho e mel

E gritos selvagens

Tenazes ardendo sobre a pele

Tenazes fazendo ferver

A alma.

 

A MINHA ALMA TEM DENTRO DE SI

 

A minha alma tem dentro de si

Tantas almas

Tabernáculos com tabernáculos

Dentro

Divinas labaredas

A minha alma escaravelho vivo dentro do âmbar

Cheio se metamorfoses e revoltas

De sombras de vida em direção ao sol

A minha alma água

Que parece parada

Mesmo quando passa

A minha alma sedenta de incêndios

Que chuva a irá apagar?

 

SOMOS UM CARACOL NOS CORNOS

Somos um caracol nos cornos 

De Deus

Um rasto de ranho

O seu esqueleto exterior

Os seus escravos pesados

O seu sol para si.

Convivemos com o nada

Infinitamente mortos

E no entanto

Somos a alma  de uma labareda

Onde à noite vão beber

Os astros mudos

As estrelas cadentes

            E esse Deus em sua queda infinita.

 

HENRIQUE DÓRIA

 

Fotografia de Henrique Dória

 

É advogado e colaborou no Diário de Lisboa Juvenil e nas revista Vértice e Foro das Letras. Tem quatro livros de poesia e três de prosa publicados. É diretor da revista online incomunidade.com, e da radiotransforma.



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