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EDITORIAL: A Perspectiva dos Balanços | Alfredo Soares-Ferreira

Foto de Joël de Vriend

[Editorial de Janeiro 2024 – Revista InComunidade]

 

Elaborar um balanço sem apontar perspectivas de evolução não é aconselhado pela lógica corrente. Nem pela lógica política. O balanço estará ferido de morte, ou, no mínimo, desprovido de qualquer interesse prático, caso apenas aconteça por questões de preenchimento do tempo corrente. Caso a lógica seja esta a profusão de balanços por esta época de final de ano não será mais que um exercício banal de afirmação, feito por quem se considera senhor do conhecimento, situação muito frequente nos dias que correm.

 

Uma obra fundamental de análise política, publicada em 1906, foi “Balanço e Perspectivas”. O seu Autor, Leon Trotsky, após o esmagamento da revolução de 1905, ensaia toda uma análise das condições objectivas e subjectivas para a revolução acontecer num estádio de desenvolvimento em que tornava maior a contradição entre as necessidades do desenvolvimento económico e cultural e a política do governo. Realçou, na sua obra, que a situação oferecia apenas à sociedade uma única saída para as contradições que existiam: “a acumulação, na caldeira do absolutismo, de uma quantidade suficiente de vapor para a fazer explodir”. Nela se podem encontrar as perspectivas cuidadosamente delineadas para que o proletariado russo pudesse tomar o Poder, como iria acontecer em Outubro de 1917.

 

Os balanços habituais representam hoje mais um episódio de entretenimento, uma extensão, no sentido que lhe é dado de contar uma estória. Que pouco ou nada tem a ver com história, uma vez que o escasso período de um ano não representa qualquer ciclo, em termos históricos. Há sempre uma certa ligeireza, no acto final de fazer o balanço, do tipo epifenómeno, que poderia integrar uma categoria da designada Comunicologia, que não é mais que a celebração do instantâneo, ou de um curto lapso de tempo. É ainda o aumento de velocidade, em movimento acelerado, dos factos e situações e que tornam a “novidade” rapidamente obsoleta.

 

A ideia e a prática do balanço inserem-se hoje na chamada ordem narrativa, um processo grotesco de storytelling, ou seja de “contar histórias”. Esta técnica, que resulta às mil maravilhas na sociedade consumista actual, traduz-se num processo conjunto de associação, ligação e concatenação, a que é dado um nexo casual e um certo ritmo, com a finalidade de obter alguma inteligibilidade e factualidade. É, sem qualquer dúvida, uma produção de sentido unitário e eficiente, porque prende a atenção e induz uma credibilidade junto do chamado “grande público”, ou seja o universo de pessoas que vive da “grande informação” dos tabloides e dos telejornais e que irão reproduzir fielmente as “histórias contadas”.

 

É vulgar ouvir dizer que alguém terá feito um balanço positivo e daí retira conclusões acerca das suas considerações. Caso o balanço seja negativo, o que raramente acontece na cena política, o resultado aponta para a cessação de funções de quem o produziu, conclusão tida como natural. A facilitação do primarismo está sempre presente e constitui uma metodologia aperfeiçoada de instrumentalização permanente. As questões essenciais passam normalmente ao lado, porque na verdade interessam pouco e não representam matéria de pesquisa, nem sequer são tidas como instrumento de trabalho para a elaboração de possíveis perspectivas. 

 

Uma classificação insurgente da realidade actual atribui a designação “ditadura do momento”, onde apenas conta o momento, à subjugação a uma comunicação social ancorada ao poder neoliberal. O contraponto poderá ser possivelmente encontrado no “jornalismo construtivo”, proposto pelo jornalista dinamarquês Ulrik Haagerup, fundador do Constructive Institute, ligado à Universidade de Aarhus. Nele se sugere um tipo diferente de sensibilidade, articulada em função do relato rigoroso e ético do quotidiano e que inclua funções como a descrição dos problemas (um balanço) e as perspectivas de resolução.

 

Quando é a própria perspectiva do balanço que está inquinada, difícil se torna vislumbrar qualquer perspectiva útil no balanço. O tempo do balanço não é definitivamente um tempo histórico. É mais uma moda, tipicamente neoliberal.

 

20 Dezembro 2023

Alfredo Soares-Ferreira

Fotografia de Alfredo Soares-Ferreira

Alfredo Soares-Ferreira é Autor de várias intervenções, comunicações e publicações relacionadas com Cooperação e Educação para o Desenvolvimento, em Portugal, Angola, Cabo-Verde, Espanha, Guiné-Bissau, Itália, Moçambique e Timor-Leste. É Consultor de Projectos Educativos e de Inclusão Social de algumas instituições, nacionais e internacionais. É membro dos Colectivos  “Porto Com Norte, Fórum de Cidadania”, “Fórum Manifesto”, “Liberdade e Pensamento Crítico” e “Tanto Mar”. É co-Autor de “Portugal, Revolução, Unidade Socialista” (1977), “Bracarenses na crise académica de 1969” (2019) e “Paranhos em Poesia, Antologia Poética” (2021). É Autor de “Reflexos do Rio Torto” (2014) e “Rio Torto- A Nascente” (2021). É Licenciado em Engenharia de Telecomunicações, pós-graduado em Gestão e Estratégia Empresarial e em Administração Educacional. Actualmente aposentado de funções públicas, foi Engenheiro e Professor em diversos graus de ensino, secundário, profissional e superior.





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