Cultura

Chá | Raquel Naveira

Foto de Miti

O chá é a bebida mais consumida do mundo. A infusão mágica feita com raízes, ervas, frutas e água quente, que, ao mesmo tempo, ativa o metabolismo e acalma os nervos.

O primeiro parágrafo do romance Retrato de uma Senhora, de Henry James, descreve uma cena típica inglesa: uma casa com fachada de tijolos vermelhos à beira do rio Tâmisa; um gramado verde entre carvalhos e faias; a mesa posta para o chá. Comenta o autor: “Há poucas horas na vida mais agradáveis do que aquela dedicada à cerimônia conhecida como chá da tarde… Das cinco às oito horas é, em certas ocasiões, uma pequena eternidade, mas numa ocasião como esta, o intervalo só podia ser uma eternidade de prazer.” E daí para frente as personagens nos são apresentadas entre sorvos de chá de jasmim e pimenta preta, acompanhado de geleias e confeitos de mel e limão. Há também um olhar especial sobre o aparelho de chá: as louças de porcelana,  xícaras e pratos decorados com desenhos de pássaros e cores brilhantes.

Fecho o romance e o guardo na prateleira. Dizem que os ingleses aprenderam a tomar chá com a princesa portuguesa Catarina de Bragança, que se casou com um rei britânico. E que os portugueses, por sua vez, foram os primeiros europeus a tomar contato com o chá, quando chegaram ao Japão, lá pelos idos de 1500.

Japão… que país poético. Já sei. Vou convidá-lo para tomar um chá comigo esta tarde. Colocarei a mesa perto da varanda; vestirei um quimono de seda e meias brancas; acenderei grãos de incenso; farei um arranjo de flores, talvez orquídeas. Na estante baixa encostarei uma gravura: um noturno de lua, neve e folhas de plátano.

Não deixarei que meu rosto transpareça nenhuma tristeza, nenhum pesar, nenhum aborrecimento de pobreza. Demonstrarei cortesia e paz. Sentaremos de frente um para o outro. Nesta estação de outono, prepararei um chá verde espumoso, que tomaremos aos poucos, em silêncio, desligados do mundo e do tempo.  Várias vezes pegarei o bule do braseiro, as mãos em gestos de um delicado balé. Colocarei mais chá, mais açúcar com uma concha de bambu. Serei uma espécie de monja e gueixa. Minha filosofia, a do equilíbrio e da purificação.

Convido-o a tomar um chá comigo esta tarde. Prometo que jamais haverá um momento igual. Olharemos da varanda os prédios, os espigões altos e cinzentos, palitos fincados na terra. O sol baixará no horizonte, numa claridade frouxa de crepúsculo e agonia. A noite envolverá tudo com sua opressão vitoriosa, seu negror de luto. Luzes se acenderão nas janelas como tochas. Lanternas vermelhas.  Eu terei chorado depois do beijo e meu olhar derramará estrelas.

O chá… sempre pode ser um encontro ou uma despedida.

 

Fotografia de Raquel Naveira

A escritora Raquel Naveira é brasileira, nasceu em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no dia 23 de setembro de 1957. Formou-se em Direito e em Letras pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo. Título de Doutor em Língua e Literatura Francesas pela Faculdade de Nancy. Deu aulas de Literaturas Brasileira, Latina e Portuguesa na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), onde se aposentou. Residiu no Rio de Janeiro e em São Paulo onde deu aulas na Universidade Santa Úrsula (RJ) e na Faculdade Anchieta (SP). Deu também aulas de Pós-Graduação na Universidade Nove de Julho (UNINOVE)  e na ANHEMBI-MORUMBI de São Paulo. Palestras e cursos em vários aparelhos culturais como Casa das Rosas, Casa Guilherme de Almeida, Casa Mário de Andrade. Publicou mais de trinta livros de poesia, ensaios, crônicas, romance e infantojuvenis. O mais recente é o livro de crônicas poéticas LEQUE ABERTO (Guaratinguetá/SP: Penalux). Escreve para várias revistas e jornais como Correio do Estado (MS), Jornal de Letras (RJ), Jornal Linguagem Viva (SP), Jornal da ANE (Brasília/DF), Jornal “O TREM” (MG). Pertence à Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, à Academia Cristã de Letras de São Paulo, à Academia de Ciências e Letras de Lisboa e ao PEN Clube do Brasil.



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