Cultura

Três poemas inéditos | Ozias Filho

TRÊS POEMAS INÉDITOS

 

tu não verás os meus cabelos brancos

a tua face heterónima sobre a tela

as mãos que tecem animais disformes

a pedra que cede espaço ao pêndulo do destino

não verás morrer a ficção que criaste

 

***

 

algo me desarma

o sorriso sem filtros

 

algo me enerva

o sorriso sem falhas

 

algo me assassina

o sorriso esquelético da fome

 

***

o livro perdido

 

o tempo não se compadece

dos teus livros perdidos

das dedicatórias esquecidas

 

o que se viveu perde-se

nas mudanças da casa

num canto qualquer

numa caixa mal fechada

 

adeus ao estatuto

de lugar na estante

 

o fruto do que foi escrito com o corpo 

cai como folhas de calendários

que não se repetem no horizonte

da memória do que fomos

 

o tempo não volta aos teus desenganos

entanto abre portas ao olhar distraído

de quem procura livros perdidos e

dedicatórias esquecidas

no alfarrábio da esquina

 

um outro provará do corpo (do outro) 

a escrita do fruto marcará um novo círculo

nas páginas do tempo

chamá-la-ás de suas

 

Fotografia de Ozias Filho

 

Ozias Filho (Rio de Janeiro/1962). É poeta, fotógrafo e editor. Autor de Poemas do dilúvio, Insulares, Páginas despidas e O relógio avariado de Deus. Como fotógrafo tem vários livros publicados, e exposições, onde se destaca Ar de Arestas, no Museu de Arte Moderna Murilo Mendes, no Brasil; e integrou a iniciativa Passado e Presente – Lisboa Capital Ibero-americana da Cultura 2017, com o ensaio Quasinvisível. Publicou em 2022 o seu primeiro livro infantil Confinados (com ilustrações de Nuno Azevedo). Vive em Portugal desde 1991. É editor nas Edições Pasárgada. Assina a coluna Quem, eu vejo quando leio, para o Jornal Rascunho.



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