Poesia & Conto

Specere | Paulo Landeck

Foto de Silas Baisch na Unsplash

Specere

Sabes
De que vale o sol sem o sobejo das estrelas
quando brilhante astro ofusca
toda a clareza luminosa
Sabes
De que vale uma lua vazia
se prenhas águas por alumiar
escondem candeias mil
fazendo de ti oceano em seu lugar
Sei que sabes
Do mesmo modo que tu
já viste algum dia o inverso
estilhaçado espelho disperso
esplen-do-[lo]-ro-sa-mente reverberante
Talvez três terços da vida
contem beijos de maré
Ou confortáveis rumores
e prolongadíssimo Verão
garridamente cinzento.

Nota

Nem o sol, com todo o seu esplendor, consegue iluminar  totalmente a lua. E se o astro-rei pode reconfortar corpo e alma (experimentem passar frio severo), a lua atrai o desejo e a criação.

Sobrescrito acima da linha da imaginação, carestia ou excesso; luz e escuridão.

A Um Lugar Desconhecido

Nas entrelinhas fala
poderoso silêncio.

Lagarto 

Nasce verdadeiramente
todo aquele que despe a sua pele
passando a ser outro.

Catástrofe

Se cada estrofe uma guerra
poeira da terra por libertar
Cada estrofe invernia
íntimo cerco e rebeldia
forno
gelo
sol e luar

Cada estrofe
Arrimada pulsação
ruído de fundo
explosão
vidas despidas (de lágrimas)
nas páginas
à mão

Cada estrofe um segredo
Íntimos mercados capitulados
cinzas renascidas nas chamas
virtuoso elemento a salvar

Civilizadas metrificações

Cada estrofe repetição e desejo
Império colonial avançado
sede das sedes
somente
delírio coroado

Cada estrofe
Interior mar

disputa sem fim
perfume e deserto
mil pétalas caídas
fio de navalha
e pedra que amola o vento cortante
Trabalhando viagem
Desmedida

Cada estrofe
Tempo sem nós.

                                                                                            

 

fotografia de Paulo Landeck

Paulo Osório da Silva Landeck nasceu em 78. Vagabundo do mar, boémio, amigo…por vezes asceta…tímido e extrovertido, filho de Deus e do Diabo. Nasceu próximo do Moinho de Maré de Alhos Vedros (Moita). Cresceu no Vale da Amoreira, irrequieto ambiente multicultural da margem sul do Tejo. Fez-se ao cais para soltar amarras. 

Viveu e trabalhou em diversos lugares que o marcaram de forma muito intensa: Portalegre, Madeira, Peniche, Londres, Cornualha, País-de-Gales, Porto, Açores, Trás-os-Montes, Terra Nova, Noruega, Escócia, Figueira da Foz, São Pedro de Moel, Croácia, Cartagena (Espanha), Faro, ou Lisboa. 

Observador de espécies marinhas; marinheiro; guia; ser humano incompleto e insatisfeito; sonhador profissional. Andou às voltas debaixo e à tona de água (em lazer e trabalho). Embarcou sobretudo em contexto científico. Sentiu-se forçado a escrever na areia da praia, antecipando incertezas da enchente.

 

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