Cultura

Shopping 2054 | Daniela Pace Devisate

Ela guardou seu rosto, miniaturizado como um camafeu, num pequeno estojo com espelhinho, que afundou na bolsa. Tinha usado (e aprovado ) o novo removedor de rosto, que tinha comprado pelo clube de beleza virtual. Jogou uma echarpe cintilante sobre o vazio e dirigiu-se à vitrine da loja para escolher um rosto novo. Eram tantos, boquinhas carnudas, boquinhas rosadas e de lábios finos, peles de muitas tonalidades, muitos olhos, pestanudos, cor de mel verdes violetas castanhos azuis negros e cinzentos. Todas as caras um pouco infantis para o seu gosto, mas todas inegavelmente belas, é claro que aquilo variava conforme o preço. Calculou mentalmente a mais em conta, e que fosse a que mais se parecesse com a fotografia antiga que tinha de si mesma. Apesar de tudo (e de toda a propaganda contra) ela ainda tinha vontade de ser ela mesma. Mas, pelo visto, estava demorando muito a se encontrar, porque a vendedora se aproximou (um autômato) e solícita, na sua voz de Pato Donald:

 

– Boa tarde, em que posso ajudar? 

 

Escolheu o rosto oval de cabelos castanhos. 

 

A vendedora robô (Margareth, estava escrito no crachá) foi buscar um rosto novinho, na embalagem. Na volta, ainda perguntou se precisava embrulhar para presente. Não, não precisava. Pagou e dirigiu-se ao banheiro nos fundos da loja. Rapidamente encaixou o novo rosto, conferindo no espelho. Aproveitou para estrear a boca, com seu batom vermelho escuro. Sorriu para o novo eu que sorria para ela. Sempre era um alívio trocar de pele para outra mais jovem. Saiu para a luz do dia.

 

Fotografia de Daniela Pace Devisate

Daniela Pace Devisate nasceu em São Paulo, capital, em 20 de julho de 1971. Vive atualmente em Iguape. é professora de arte, poeta e artista visual. Teve poemas publicados em diversas revistas literárias digitais, como Germina, Mallarmargens, Literatura&Fechadura, entre outras. Em 2018, participou da coletânea da antologia Voos Literários, pela editora Essencial. No mesmo ano, participou de feiras de publicação independente, onde vendia seus livros artesanais de poesia, editados por sua editora cartonera, a Verso Livre. Em 2019, lançou Haikai Tupy, edição independente com tiragem minúscula. Em 2020, participou da plaquete As luas e suas variações, organizador Cláudio Daniel; participou da antologia Simpósio dxs poetxs bêbadxs; publicou um poema na revista portuguesa T¨lön, editada por Luiza Nilo Nunes e nesse mesmo ano, publicou seu primeiro livro individual, Tantos Quartos lunares, pela editora Urutau. Em 2021, saiu no livro As mulheres poetas na literatura brasileira, editora Arribaçã. Lançou um livro pela editora Kotter, Véus de Alethea.

Qual é a sua reação?

Gostei
5
Adorei
6
Sem certezas
0

Também pode gostar

Os comentários estão fechados.

More in:Cultura