Quando a dor acabar | Solange Firmino
Quando a dor acabar – Solange Firmino escreveu um livro que festeja o tempo na tensão entre esperança e desolação, fluidez e permanência. Em Quando a dor acabar acontece a apropriação da ambiguidade na necessária constatação pelo imaterial. Muitas são as questões que seu trabalho levanta, mas talvez a espinha dorsal da presente trama imagética seja a solidão engasgada na garganta poemática da poeta, dando aos versos a longitude imprecisa que impede qualquer alusão à absoluta estabilidade. É uma solidão atravessada por muitas dimensões, e o permanente está no que muda, assim como a mudança só acontece porque perdura, como aponta o verso “sou permanente / mas estou de passagem”. Há aqui o rearranjo de alguns lugares que seriam comuns se não passassem pela leitura da autora: “o poema vai morrer em frases comuns / como as gotas que compõem as chuvas / e as geografias dos desertos”. Engana-se quem se restringe a perceber nesses versos a trivialidade do fim, pois a questão que se levanta é a da unidade (o “tudo é um” de Heráclito). Ainda na trilha dos rearranjos, lemos “assim, desisto do texto original” e é possível dizer que não há abandono pela desistência, mas a assunção da impossibilidade de se firmar um lugar, pois o texto original é este que a cada instante se oculta no que tentamos enxergar. Este livro é um exercício diário de existência, da percepção do fim como princípio, da morte como tensão (não restrita à extinção material), bem como nos diz o poema Sépia: “faz um silêncio tão grande / quanto as mãos num copo vazio”.
Fábio Pessanha – Poeta, doutor em Teoria Literária e mestre em Poética
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Quando a dor acabar
O vento passa ligeiro mas se detém
no anti-horário girassol
o silêncio no horizonte eterniza a aurora
ávida de futuro
poetas inventam itinerários para os sonhos
na noite que grita a solidão dos homens
é cada vez mais difícil renascer com esperança
todas as manhãs
mas o vigor da vida
nos espera em algum canto
para quando pudermos nos abraçar
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Gênese das ondas
Soletro na margem a palavra rio
e o voo na curva do céu
onde surgem pássaros
assopro de leve
e se faz correnteza
mas o rio escapa e não volta
não basta adiar o destino do rio fazendo desvios
a água sempre deseja voltar à fonte
dor de tudo atravessar até voltar ao mar
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Cárcere
A palavra se manifesta
rasgando o brilho da noite
nos movimentos efêmeros
porém fecundos
o poeta se desnuda em cada poema
e sente o descompasso do tempo
quase musical
sussurrando
que não é mais livre
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Pulsante
Nunca me preparo para viver mais um dia
digo sim a tudo o que acontece
com assombrosa certeza
meus silêncios comungam
com a estranheza desse tempo
meus sonhos tensos amanhecem do avesso
alheios à luz da aurora
Solange Firmino nasceu e vive no Rio de Janeiro, Brasil. É graduada em Português e Literatura. Já venceu dois grandes prêmios de literatura, sendo o último em 2021, com o 2º lugar na Biblioteca Pública do Paraná, na categoria Literatura Infantil. Possui 7 livros de poesia publicados.