Sociedade

Professor faz do pão um aprendizado de vida | Valéria Navarro

Foto de Rene Eugenio Seifert

Foi assim que Rene Eugenio Seifert, quando fazia seu doutorado em Inglaterra, mudou seus dias ao lado da esposa Vanessa e de toda uma comunidade que morava na mesma casa de estudantes. Primeiro foi a ideia de oferecer pipoca com chá e bate papo aos vizinhos também estrangeiros. Eles se sentiam da mesma forma solitários e isolados na nova cultura. O grupo cresceu tanto que logo foi preciso utilizar a área de convívio comum para as reuniões. E o pão artesanal, que em um primeiro momento serviu como forma de sobrevivência mais consciente em um mundo extremamente industrializado, passou a ser uma dádiva a ser compartilhada e que originou outras experiências de vida, como uma horta comunitária.

 

Anos depois, amizades consolidadas, retornando ao Brasil em 2010, Rene e Vanessa já haviam entendido que não importa aonde se vai, mas com quem: “Se você cria uma comunidade pode ir até para o inferno, que mesmo lá faz uma festinha!”, brinca o professor Rene. Por isso, eles alugaram o apartamento que tinham e foram para outro mais próximo dos amigos, no Mossunguê. Formaram, então, um grupo de agricultura urbana, plantando o que consumiam. Foram autuados duas vezes pela Prefeitura e, se não tivessem praticado desobediência civil, não haveria a lei de agricultura urbana que hoje existe em Curitiba. Com os amigos resolveram experimentar uma vida alternativa: tinham um veículo em comum e andavam de bicicletas. Almoçavam juntos e Rene seguia sendo ‘o padeiro da turma’: “Eu estava cada vez mais apaixonado e me dedicando aos pães artesanais, aprimorando sabores e a fermentação natural”, conta ele.

 

Formado em Administração de Empresas, com Mestrado e Doutorado em Organizações, Rene Seifert é Professor da UTFPR desde 2014, no Curso de Graduação em Administração de Empresas, onde leciona as disciplinas de Negócios Internacionais e Sustentabilidade. Participa, ainda, na Pós-graduação, do Grupo de Pesquisas em Tecnologias Alternativas de Gestão, ou seja, em formas não convencionais de organização. A produção artesanal do pão na cozinha de casa passou a inspirar formas alternativas de pensar tecnologias de gestão: “A forma como eu hoje eu penso a gestão considera a possibilidade  de resgatar virtudes do modo de produção artífice, que envolve o uso das mãos e a impossibilidade de separar o pensar e o fazer.  É uma lógica oposta ao modo dominante de gestão orientado para a máxima eficiência e a acumulação de capital”.

 

A máxima eficiência que foca apenas o lucro é, segundo o professor, como perdemos qualidade: “Se eu aplicar essa máxima no feitio do pão vou chegar ao pão francês industrializado, que não tem sabor e não alimenta, porque sequer respeita o tempo de fermentação e, com o passar do tempo, pode causar intolerância e prejudicar a saúde. Para ter qualidade é preciso respeitar limites, é preciso respeitar o tempo. Isso se aplica a muitos outros alimentos e campos de atuação”, argumenta Rene Seifert.

 

A redescoberta do pão

 

Rene e a esposa chegaram na Inglaterra repletos de sonhos e dependendo de uma bolsa de estudos para sobreviverem. Na bagagem já levavam a consciência de que colaborar minimamente com a sustentabilidade do planeta era algo possível e necessário. Logo nos primeiros meses perceberam que naquele país tão evoluído absolutamente tudo era industrializado e o consumo de plásticos era exorbitante. Foi quando Rene resolveu resgatar algo de sua infância no Rio Grande do Sul: o feitio dos pães. Ao invés do pão já pronto, comprou farinha e fermento e, ao sentir o aroma do pão assado se espalhando pelo pequeno apartamento onde moravam, em uma Casa de Estudantes, logo foi tomado por lembranças e por uma sensação de alegria por fazer algo tão saboroso com suas próprias mãos, sem nenhuma máquina ou equipamento especial. Aos poucos foi aprendendo e testando novos sabores e a fornada podia ser compartilhada, presenteando amigos.

 

Essa realidade vivida no outro continente se distanciava da origem de seus estudos e carreira. Por sua habilitação em Comércio Exterior, ainda na década de 90, Rene apostou naquela que era considerada a carreira do futuro. A lógica era ganhar dinheiro ajudando as empresas crescerem para a geração de empregos e renda.  “Meu Mestrado também foi nesse sentido, só no Doutorado é que me deparei com uma série de contradições: estava em um país de primeiro mundo, mas que também tinha roubos, assaltos, pobreza, desigualdade e uma série de problemas… Hoje olho ao meu redor e pergunto: o que deu errado? A qualidade de vida é infernal para a grande maioria das pessoas! Apenas um pequeno grupo vive bem. E mesmo esses, vivem com medo dos que vivem mal, porque há pessoas passando fome, sem acesso ao básico. Temos que reconhecer que modo de gestão e organização convencional, orientado para o crescimento econômico e para eficiência técnica, deu errado para o planeta e para a grande maioria das pessoas”, desabafa o Professor.

 

Rene conta que costuma pedir aos seus alunos que andem nos arredores e tirem fotos que retratem a crise social e ambiental que vivemos, como uma maneira de não se deixarem neutralizar e achar que tudo que há de errado ao redor de nós é normal: “Vivemos em uma bolha! As coisas boas que o modelo convencional de produção criou não são acessíveis para a grande maioria das pessoas. Eu espero uma transformação radical da realidade. Entendo que isso envolve um processo de mudança do modo de agir e pensar. Nessa direção é fundamental construir respostas, mesmo que singelas, para a crise que vivemos”, afirma Seifert.

 

Mas que tipo de respostas é possível gerar diante de um mundo que mostra não ter condições de continuar da forma como está? A preocupação da grande maioria dos habitantes do planeta é, afinal, a sobrevivência. “É uma outra pandemia que sofremos, uma constipação de imaginação, não conseguimos imaginar outros mundos para além daquele que fomos formados e nós fomos preparados para achar uma posição dentro da lógica do mercado”, diz Rene. E é possível viver fora disso? Segundo o Professor Rene Seifert sim é possível: “há várias realidades e possibilidades que vão além da lógica do mercado como por exemplo, dos indígenas, dos quilombolas, dos artesãos, das pequenas empresas, das comunidades, da troca-dádiva, entre tantas outras. Cada um com seu modo de vida, organização, produção e subsistência. Nossa aproximação com essas realidades descongestiona a imaginação e inspira a construção de respostas alternativas”, complementa.

 

Comunidades e vizinhanças

 

O Professor Rene Seifert acredita que viver em comunidade é um ideal que poucos experimentaram, mas que a experiência de viver em vizinhança já foi experimentada e já deu certo. O problema, segundo ele, é que hoje muitas pessoas vivem em condomínios e sequer conhecem as pessoas que vivem a seu redor. Por outro lado, muitas dessas pessoas sonham em viver em comunidade. “Lá onde moro fiz a experiência de ir de bicicleta presenteando os vizinhos com os pães que eu faço e convidando para irem na nossa casa comer pizza feita no nosso forno a lenha. Foi uma forma de criar vizinhança e fazer amizades. Isso para mim hoje é a riqueza da vida”, esclarece ele.

 

Para Seifert precisamos olhar a crise em que vivemos e não esquecer de onde ela veio, dessa economia voltada à eficiência que aprisionou o ser humano: “Espero estar errado, mas tudo tem mostrado que caminhamos para o caos, basta ver nos últimos dois anos a pandemia. Para mim o que faz sentido hoje é investir em pessoas. Temos que começar com atitudes simples: pode ser eliminando o uso de sacos plásticos, compartilhando o pão, a manteiga ou a geleia que fazemos em casa, ou convidando os vizinhos para comer pipoca. Se nos incomoda o fato da cidade estar sem cor, podemos plantar uma flor. Obviamente isso não vai mudar o mundo, mas é o certo a fazer, é um ponto de partida que pode desencadear outras mudanças”, desabafa o Professor.

 

Uma economia mais lenta, mais manual e com mais vizinhança pode gerar mais espaço e ampliar possibilidades de sustentabilidade: “Eu e minha família não temos uma vida sustentável. Quando calculamos nossa pegada ecológica reconhecemos que nosso modo de vida não cabe no planeta. Minha vida é insustentável e isso me incomoda muito. Mas isso também me inspira a agir, ainda que sujeito às inúmeras contradições. Tenho esperança de que meus filhos aprimorarão o que fazemos em casa. Eles já visualizam e criam possibilidades de trabalho para além do emprego, reconhecem plantas e ervas, sabem cozinhar, sabem como é a vida artesanal e a produção de vários alimentos. Eles estão crescendo assim e identificam com facilidade a diferença de sabor de um alimento industrializado e de um artesanal. O que estamos tentando fazer é que eles tenham um horizonte de vida mais ampliado. Espero que eles cresçam entendendo que não é preciso um emprego para sobreviver, que os amigos são a maior riqueza da vida, e que a gente só ganha amigos quando aprende a dar o que quer receber”, conclui Rene.

 

Valéria Navarro, Jornalista profissional diplomada, Mestre em Engenharia de Produção e Sistemas, com área de concentração em Mídia & Conhecimento, pela UFSC. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e Sociedade da UTFPR, autora de “Teorias da Comunicação e Comunicação Não Violenta” e de “Mídias e Comunicação nos Direitos Humanos e Movimentos Sociais”, ambos pela Editora Contentus.

 

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