navalha viva, pedra de batalha, sou peste, a querer o sangue do legado, avisem o mundo vou bater cabeça, e dizer como se faz o veneno da besta.
sou vermelho, olhos de pesadelo, caboclo pés no chão, aquele dentro da morte, você.
(Macumbaria Poética – Arte Ancestral)
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caboclo caminha na mata de onde venho / senta-se na grama da infância catavento de ervas / trovão cachoeira machado / o silêncio não acorda um oceano separa meus braços /
– pesca um pouco d’água
trago nos ossos raízes e nome / as pescarias de histórias de meu avô abraçadas à velha casa de madeira / jacarés empalhados alimentam sonhos nos meus olhos de barro
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dizem: os caminhos nas palmas das mãos servem fogo a velas, o canal aos antepassados, medo e devoção, todos fazem parte, -o deserto habita o mar-, nomes são oferendas, histórias cravadas em ossos, a mãe acrescenta palavras a proteger infâncias, sagrado antes do início, antes do tempo, divino antes da melodia, entidades a dançar na gestação, o sangue mensageiro, a língua, a chama a desenhar o nascimento, dizem: corpo a chamar o feminino, a escolher o masculino, cânticos à natureza -às cinzas das madeiras, o abrigo das dádivas e espíritos-, nomes são oferendas, África abra seus olhos.
(Inédito)
(Macumbaria Poética – Arte Ancestral)
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um aceno, abre a porta, estende a māo, encontra o vento, ele reconhece o sal grosso nas unhas e pele. o pāo em três partes. mergulha no vinho. antes, punhal, ferradura, moeda de ouro. oferece outra vez o sal, três vezes me devolve. diz: você abre portas. sou eu que ofereço o sal.
segura as estrelas de cinco e seis pontas. elas tudo vêem, o voo tem asas de noite, hoje a lua deitará no seu corpo. seu espírito estará com o guardião. abra o peito, vou girar a roda e a chave. os olhos fechados, hoje é sexta-feira. desenhe o silêncio, a música.
um trevo, uma encruzilhada, um aceno para aquele que abre as portas.
(inédito do projeto: Macumbaria Poética – Arte ancestral: respeito a tradição).
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Inverno rumina o primeiro dia
encruzilhada de ossos, palavras
procuram um poema, nascido pagão
nos elementos primitivos, o sagrado dorme
as vestes brancas cobrem o corpo, -espero uma romaria, e a resposta das sete velas: não sou o primeiro, terei outros filhos, esquecerei nomes.
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tatuar ossos? uma ciranda mourisca, ísis e anubis, nas águas de olinda, a esperar sentado o peso do maracatu e as dezesseis toneladas a caçar arco-íris, tatuar meus ossos com a macaxeira cortada ao contrário, despir pele por pele: acima e chão. quero ver quem ilumina o caminho do ferro ancestral a beber o sangue couro, a nascer em cada agulha de poema. poema de éter azul místico a tocar os sinos da chuva, corujas levantam suas saias: e chove.
e eu aqui a querer os grãos da disciplina de ser simples, e nem sei quando está frio, sei que sou chuva, e o mar, elomar não carece de filosofia.
olho mães d’água.
(Macumbaria Poética – Arte ancestral.)
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afroamerindio, e todas as raízes cruzam a água e as copas das árvores ancestrais, -não sabemos aonde se alimentam as raízes, e nem tampouco o sal do orvalho das folhagens, caminhamos-, grito ritmo dança music ancestral grafite macro cosmo tupinamba galês demiurgo. Aprendo, e peço um pouco de luz.
silêncio da infância, e a ladeira das mortes: tatuagens a celebrar a vida. carrego ossos rosário barro semente sêmen do vento da água: rito circular.
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às vezes o poema se faz de menino ou menina água, às vezes corre para lavar os trens da cozinha, coisas que não discuto, um soluço estrela marinha, não sou homem movido a choro, sou musica a preparar o jantar para a dona do mar.
os detalhes líquidas moradas, e a arte faz parte do mover de ventos, moer de café e seres encantados, aroma de hibisco, infância a criar árvores e brinquedos que nunca irá usar.
o poema veste saia de chita, e entra na roda, quer samba, quer san monturo, quer o beijo da mais linda viola de doze cordas, veste a tempestade, o raio, o trovão, ele pensa ser música.
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hoje abro uma estrada onde o homem não se encontra.
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Inédito do livro “uma tempestade com flores na boca”
O mundo gira
O vento toca os atabaques
O corpo rodopia
Os ossos rodopiam
O tempo para
O corpo rodopia
A risada rasga à noite
Gira – gira – gira – gira
Uma gargalhada defende os quatro cantos
Seu punhal corta à noite grande
Rodopia nos quatro cantos – coloca marafo
Nos seus ossos o mundo gira.
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José Geraldo Neres (Garça, SP, Brasil, 1966). Poeta, ficcionista, produtor cultural, arte-educador, roteirista, compositor, e intérprete. Simplesmente NERES. Pesquisador independente, editor e produtor de cultura ancestral afro-ameríndia. Roteirista. Dramaturgo. Curador de encontros multilinguagens.