Cultura

Noturno Carnaval (amor globalizado 2) | José Ribamar Mitoso

Foto de Pedro Henrique Santos na Unsplash

Fhulano é europeu. Atualmente tem 50 anos e é executivo de uma grande empresa financeira do mercado global de crédito de carbono. É um agente internacional da economia verde. Há duas décadas, foi enviado para a Amazônia para mestudar a floresta e o seu valor neste tipo ambiental de bolsa de valores do mercado financeiro.

Fulana é Amazônica e bióloga. Tem atualmente 45 anos. 

Logo que Fhulano chegou em Manaus, ele se encantou com a beleza de Fulana e com seu conhecimento sobre a floresta. Ela também se encantou com a beleza e o conhecimento de Fhulano sobre o mercado financeiro. Amor fulminante. Casaram rapidamente. Viviam felizes. Ele cristão. Ela agnóstica.

No final da década de 2000, em uma noite de sábado gordo, sr. Fhulano e sra. Fulana decidiram não brincar o carnaval. Ambos sempre foram muito ciumentos. E este foi o motivo. Ele sempre foi muito religioso e não admitia que ela desfilasse de biquíni em uma escola de samba, mesmo junto com outras amigas também casadas e também usando biquínis. Sempre acreditou que isto abalaria seu prestígio profissional no mercado financeiro. Ela, por sua vez, sempre teve ciúmes do bolso dele. Ela não queria que ele desfilasse na mesma escola de samba porque muitas passistas desfilariam quase nuas e a beleza de alguma delas poderia capturar o inadvertido bolso de Fhulano. Preconceito.

Como adultos livres e civilizados, decidiram ir para outros eventos sem ligação com o carnaval. Ela sozinha para um evento e ele sozinho para outro.

Fhulano foi sozinho para a Arena da Amazônia assistir Rio Negro e Nacional, um clássico do futebol amazonense. Fulana foi sozinha celebrar o aniversário de uma amiga executiva americana em um condomínio de luxo. As amigas que Fulana iria encontrar no aniversário eram as mesmas que depois da meia noite iriam desfilar em uma escola de samba.

Incentivada pela aniversariante americana, Fulana descumpriu o acordo feito com Fulano. Antes da meia-noite, fugiu com as amigas e foi ao sambódromo para desfilar de biquíni na ala das passistas de uma escola de samba.

Na Arena da Amazônia, antes do jogo de futebol, Fhulano encontrou casualmente um amigo Amazônico, pesquisador da floresta e que já o havia entrevistado sobre o mercado de crédito de carbono. O amigo o convidou para desfilar em uma escola de samba após o jogo. Fhulano também descumpriu o acordo feito com Fulana. Ele aceitou o convite e a fantasia para desfilar na mesma escola de samba que ela queria desfilar, mas em ala diferente.

Em uma destas estranhas mas previsíveis tramas do destino, Fhulano e Fulana se encontraram casualmente, após o desfile.

Depois do amigável e civilizado divórcio consensual, Fhulano casou com o pesquisador Amazônico que o convidou para o desfile da escola de samba. Foram morar na Europa. Na Holanda e na França, dependendo da estação.

Estão muito bem casados e felizes. 

Ficaram milionários. 

A parceria entre o casal é muito produtiva. Encaixa perfeitamente nas atividades lucrativas do mercado de crédito de carbono.

O pesquisador Amazônico se tornou especialista em calcular a quantidade da redução de Gases do Efeito Estufa gerados por projetos ambientais de empresas. Calcula também qual deve ser a compensação em créditos de carbono gerados por estes projetos de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD) ou de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL). Fhulano negocia os títulos de créditos obtidos. Negocia diretamente no mercado de carbono através da relação comprador e vendedor, ou indiretamente no mercado secundário da bolsa de valores.

Fulana também casou, após separar de Fhulano. Casou com a amiga executiva industrial americana, que era a aniversariante da noite na festa no condomínio e a mesma que a incentivou a desfilar na escola de samba com as amigas. 

Após o casamento, foram morar no Ceará. Moram em Fortaleza, mas estão quase sempre na Praia de Paracuru ou na Praia de Canoa Quebrada. Ambas trabalham para uma empresa multinacional americana que presta consultoria internacional sobre energia eólica. 

Também estão muito felizes e também estão milionárias.

O carnaval brasileiro é surpreendente.

 

Fotografia de José Ribamar Mitoso

José Ribamar Mitoso é um premiado Escritor, Dramaturgo, Professor da Universidade Federal do Amazonas e Doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia.

È autor de uma obra reconhecida internacionalmente com vários livros de contos, novelas, ensaios livres, crônicas, poemas e peças de teatro. Obteve dezenas de prêmios nacionais, regionais, estaduais e municipais de teatro e literatura, incluindo muitos prêmios nacionais do Ministério da Cultura. O escritor tem 58 anos e completou 40 anos de admirada criação literária.

 

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