Política

A seguir aos três D vem um E | Nuno Pinheiro

Foto de chay tessari na Unsplash

A SEGUIR AOS TRÊS D VEM UM E

 

RGA 1974

 

Quando se diz que o 25 de abril foi uma revolução, não apenas um golpe de estado, fala-se na adesão popular imediata que acompanhou as movimentações militares, mas também, e sobretudo, do facto de todos os aspetos da vida portuguesa terem sido grandemente modificados. Os três D do programa do MFA prometiam democratizar, descolonizar e desenvolver, mas da alimentação à saúde tudo se alterou. 

 

A seguir aos D, segue-se o E, e um dos aspetos fundamentais da revolução foi, e não podia deixar de ser, a educação. Afinal a revolução era feita para o futuro. Em 1974 nem um de cada dez jovens chegava ao secundário. Os que lá tinham chegado tinham feito um exame na quarta-classe, aprendido a formar palavras com a palavra Salazar, estudado por livros que pareciam, e eram, manuais de doutrinação da Mocidade Portuguesa. Até 1968, a maioria ficava-se por aí, os outros tinham de fazer novos exames para saber se iam para a Escola Técnica, onde se formavam os operários especializados e os técnicos administrativos, ou para o Liceu, onde podiam chegar a Dr. Em décadas anteriores os rapazes tinham que ir até à quarta-classe, mas as raparigas podiam ficar na terceira, afinal uma mulher não precisa de muito para cuidar da casa ou ter um trabalho braçal. 

 

Aprendia-se a ler, a escrever, a tabuada, o padre nosso, rios e caminhos de ferro, mesmo onde estes não existiam. Aprendia-se a Índia Portuguesa que tinha desaparecido. Rapazes e raparigas iam cada um para seu lado, ou para a sua escola. Escolas e Liceus masculinos e femininos nas maiores cidades, espaços e horários diferentes onde não era possível tal divisão. Tudo era abençoado pelo crucifixo e as fotografias de Salazar (mais tarde Marcelo) e Tomás (antes tinha sido Carmona). 

 

Vivia-se com medo. Nos rapazes, em especial, o medo ia crescendo. Era a guerra que se anunciava. Uma guerra que tinha começado tão cedo nas suas vidas que dificilmente se lembravam do que era viver sem ela. Os mais velhos, os que andavam na universidade revoltavam-se, primeiro em 1962, novamente em 1969 e sem parar daí em frente. Em 1972 a Pide assassinava Ribeiro dos Santos, estudante de direito. 

 

Depois foram os mais novos a revoltar-se, os que andavam no ensino secundário. Idades que iam dos 13 aos 18. Revoltavam-se contra a guerra que os ameaçava, contra a sociedade repressiva em todos os aspetos da sua vida. A 16 de dezembro de 1973 a polícia prende 151 jovens numa reunião. A maior parte é libertada no dia seguinte, alguns passam por Caxias durante alguns dias. Os rapazes são alvo de uma carecada que os pretendia humilhar, todos levam processos disciplinares e multas. Mas a revolução estava perto e esta repressão serviu para fazer crescer a revolta, para ampliar o movimento.  

 

O 25 de abril abriu a possibilidade de acabar com a velha escola. Era um aspeto não pensado no programa do MFA, algo que não despertava, na altura, muito interesse. Parecia haver a vontade de manter à frente do ministério Veiga Simão, com fama de reformador, mas que pouco ou nada tinha feito. Foi talvez uma das primeiras reivindicações dos estudantes e do nascente movimento de professores, mas, com isto abria-se a porta para dizer que o velho ensino repressivo, elitista e seletivo não podia continuar. 

 

Logo em Maio de 1974 começam as greves no ensino secundário. Queria-se acabar com exames, considerados seletivos e antipedagógicos, mas outros aspetos acompanham, mesmo não estando explícitos nos objetivos: a separação por género, a gestão das escolas, a relação professor aluno, os currículos e programas, a segregação social, liceus/ técnicas. Também os programas, que refletiam a ideologia do regime e o seu conservadorismo, são mudados. Muitas vezes em vez de manuais passa a haver dossiers de textos. O ministro não foi o único apeado, apesar de não haver estudos sobre os saneamentos, terá sido nas escolas o local em que mais se fizeram sentir. Cada escola tinha os seus “bufos”, alguns seriam informadores da Pide, outros, mais informalmente, reportariam a reitores e diretores. 

 

A rutura com a velha escola salazarista que, timidamente, tinha começado no final dos anos 60 (com Salazar ainda no poder) é agora completa. Tal como em outros aspetos da sociedade portuguesa não foi de cima, não foi do poder que vieram as mudanças, foram os próprios envolvidos nos processos a fazê-las. Voltamos ao início, a revolução, porque se trata de uma verdadeira revolução na educação, foi feita pelos seus protagonistas, estudantes e professores.

 

fotografia de Nuno Pinheiro

 

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