Política

A face horrível | Celso Japiassu

Foto de Joakim Honkasalo na Unsplash

A FACE HORRÍVEL

 

Em situações de crise, quando se extremam os sentimentos profundos, a humanidade revela a sua face verdadeira, normalmente oculta sob o disfarce social ou pelo verniz cultural. E a face revelada é a de uma espécie dominada pelo medo insano, preconceitos e na maioria das vezes pela ignorância ontológica. Durante a pandemia de coronavírus, os sacerdotes na Grécia afirmaram, com o testemunho de Deus, que a comunhão, onde todos os fiéis provam da mesma colher, não transmitia o vírus da Covid-19. O Santo Sínodo grego emitiu um comunicado em que afirmava que a comunhão é com o corpo de Deus e o corpo de Deus não tem vírus. O Bispo Serafeim, do Pireu, disse que as pessoas sem fé, elas sim, corriam mesmo o risco de se infectar. O ex-vice-ministro da coligação de esquerda Syriza, Pavlos Polakis, contradisse afirmando que “não se pode deixar que as pessoas bebam da mesma colher e dizer-lhes que não há perigo – isto é talibanismo cristão”.

 

No Brasil, as igrejas neopentecostais celebram seus cultos para recolher dízimos. Um oportunista que se autointitula pastor, de nome Silas Malafaia e o notório Edir Macedo asseguram que os fiéis que pagam dízimo não devem se preocupar com nenhuma enfermidade porque estão protegidos pelo nome de Jesus e pela fé.

 

A utilização da fé e do medo

 

Há, em todos os países, entre eles os da culta Europa, a propagação de crenças para o enfrentamento dos fantasmas da dor, da solidão e da pobreza. Há o apego à convicção de que Deus é fundamental na luta contra os males do mundo e a religião, mais uma vez, se prova inimiga dos homens. Pois as igrejas oportunistas alimentam-se do medo e da insegurança dos seus seguidores. E neles alicerçam vantagens financeiras e suas bases de poder político.

 

As igrejas neopentecostais tendem a crescer onde exista carência e sentimentos de abandono. Guiadas pelos cultos originários do Brasil, mas que beberam na fonte estadunidense e lideradas pela Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo, elas estão a conquistar a Europa sob o lema de que este continente se tornou excessivamente materialista e que é preciso recristianizar a Europa. Outras igrejas com presença crescente identificam-se sugestivamente com os nomes de Deus é Amor, Renascer em Cristo, Mundial do Poder de Deus e Internacional da Graça de Deus, esta última pertencente a R.R. Soares, concorrente de Edir Macedo. Seu programa “Show da Fé”, produzido no Brasil e dublado em alemão, de uma hora de duração, sem interrupções comerciais, faz parte da programação, três vezes por semana, da Rhein Main TV – uma emissora regional emitida por satélite para toda a Europa. O diretor da estação, Stephan Seeländer, diz que está satisfeito com a audiência do programa, que tem tendência de crescimento. Os pedidos de doação são de 30, 50 e 100 euros.

 

Depois de uma tentativa fracassada em Stuttgart há cerca de cinco anos, a Universal de Edir Macedo abriu sede em Berlim, onde há grande número de brasileiros. Hoje, tem templos em Munique, Hamburgo, Colônia, Würzburg e está de volta a Stuttgart. Os cultos são diários e temáticos: no domingo, as orações são dirigidas ao “fortalecimento e reavivamento da fé”, na segunda-feira, “pela prosperidade financeira” e, na terça-feira, é o “dia do descarrego”.

 

A Assembléia de Deus visa os imigrantes brasileiros. Há 15 anos no país, o presidente Everaldo Lopes é um dos mais antigos pastores evangélicos do Brasil a pregar na Alemanha. Ele e seu irmão Dionísio encarregam-se dos cultos em Mülldorf, Regensburg, Landshut, Mannheim e Ingolstadt, onde fica a atual sede da Assembléia – uma sala alugada onde cabem 200 pessoas sentadas.

 

Há um fluxo de pastores missionários vindos do Brasil que trabalham prioritariamente as comunidades de imigrantes latinos, africanos e orientais. Pessoas carentes, solitárias num país estrangeiro.

 

A salvação pelo divino

 

Nas igrejas improvisadas ouvem-se palavras de invocação de divindades estranhas e, acima de tudo, o medo. Demonstrações de solidariedade procuram afirmar-se para enfrentar o medo, mas o medo e os sentimentos de abandono acabam por dominar a frágil natureza humana.

 

No Irã, trezentas pessoas morreram após beberem metanol por acreditarem que o álcool as protegeria contra as doenças. Em todo o mundo as pessoas procuram a salvação pela forte crença no divino. 

 

“Contra a estupidez os próprios deuses lutam em vão”. A frase é do poeta alemão Friedrich Schiller.

 

fotografia de Celso Japiassu

Celso Japiassu: Poeta, articulista, jornalista e publicitário brasileiro. Trabalhou no Diário de Minas como repórter, na Última Hora como chefe de reportagem e no Correio de Minas como Chefe de Redação antes de se transferir para a publicidade, área em que se dedicou ao planejamento e criação de campanhas publicitárias. Colaborou com artigos em Carta Maior e atualmente em Fórum 21. Mora hoje no Porto, Portugal.

É autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).

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