Poemas | Daniela Pace Devisate
ÊXTASE
Sentia a borboleta
de asas de fogo
a esvoaçar e pousar
por entre as pernas
na rosa de carne
que principiava
a entreabrir seus lábios
de róseas pétalas
pingando mel
para que você sugasse
e minha alma
desmaiasse, debruçada
na varanda
de uma estrela cadente
porque explodiam sóis
sobre um planeta novo
CÓPULA
Me encantam as bodas
dos minúsculos insetos:
borboletas coladas
uma à outra
ou a antropofagia amorosa
de abelhas-rainhas
FLOR-SERPENTE
Mistura seiva
ao sangue
subindo pelo tronco caule
kundalini primavera
transmutando chakras
em jardins
FONTEZINHA
Ao pé da fonte pequena
dorme um casal de serpentes
em lemniscata de amor.
Ao redor dela, altos lírios
de um branco puríssimo
como de uma jovem nuvem.
À noite, as estrelas
cintilam com guizos de prata
nas pernas dançarinas.
Três da madrugada
escuto a água deixar cair
sua risada de vidro…
Sussurro teu nome
bem baixinho
para que o anjo ciumento
não escute.
Colho perfumes com a mão
Para verter mel pelos poros
E quase tropeço ao ver teu rosto
De horizontes frágeis, sorrindo.
FEBRE
Flores cadentes
estrelas perfumadas
Rimbaud na mente
a última serpente
de um jardim sem éden
música transparente
desmaio dócil
na bruma, na brisa branca
no leito de espuma
na nuvem de bruços
(deito e me cubro
com colcha de lírios
que pegam fogo)
febril a fronha
desfaleço e peço
água da fonte
para a minha fronte
CAMAFEU
A rosa púrpura
colheu o inverno
na fenda fulva
a lua em casulo
pulsa
nenúfar de neve
a vulva
antiga jóia
antes rubra
O SACERDÓCIO DA FLOR
eu atravessava os densos bosques de nuvens
Ficavam farrapos de cabelos presos
nas árvores brancas
Eu avançava ao centro, à liturgia de celebração
da vida
Eram os tempos do sacerdócio da orquídea
Eu comungava sua hóstia escura e perfumada
Bebia seu orvalho, seu suor de amor
seu sacro licor, seu sangue transparente
E assim ressuscitava
INFÂNCIA
A noiva de Chagall
passou voando
com seu rosto rosa
e um violino
de uma única asa
O camponês
enluarado e verde
bebia vinho
de dentro de uma bota
enquanto os pombos
conversavam entre si
a vaquinha passou na relva
balançando
o sininho do pescoço
um casal de crianças
dançava no quintal
suas bocas manchadas
do vermelho escuro
das amoras
comidas no pé
(Poemas do livro berço de lírios, no prelo pela editora Kotter )
Daniela Pace Devisate nasceu em São Paulo, capital, em 20 de julho de 1971. Vive atualmente em Iguape. é professora de arte, poeta e artista visual. Teve poemas publicados em diversas revistas literárias digitais, como Germina, Mallarmargens, Literatura&Fechadura, entre outras. Em 2018, participou da coletânea da antologia Voos Literários, pela editora Essencial. No mesmo ano, participou de feiras de publicação independente, onde vendia seus livros artesanais de poesia, editados por sua editora cartonera, a Verso Livre. Em 2019, lançou Haikai Tupy, edição independente com tiragem minúscula. Em 2020, participou da plaquete As luas e suas variações, organizador Cláudio Daniel; participou da antologia Simpósio dxs poetxs bêbadxs; publicou um poema na revista portuguesa T¨lön, editada por Luiza Nilo Nunes e nesse mesmo ano, publicou seu primeiro livro individual, Tantos Quartos lunares, pela editora Urutau. Em 2021, saiu no livro As mulheres poetas na literatura brasileira, editora Arribaçã. Lançou um livro pela editora Kotter, Véus de Alethea.