Política

O teatro das guerras | Celso Japiassu

Foto de Taton Moïse

Cenário de encarniçadas e infindáveis guerras, conflitos permanentes e intermináveis lutas de classe, o velho continente tem historicamente sido palco privilegiado do embate ideológico. Desde a Revolução Francesa e a queda do regime aristocrático, a Europa se defronta consigo mesma, seus fantasmas, suas contradições e as dúvidas sobre seu próprio destino. 

 

O Século 20 foi testemunha da aguda crise social que conduziu a duas grandes guerras, o crescimento do nazifascismo e a sua derrota, o início e o fim da experiência comunista. E ainda permanecem sob a superfície as mesmas condições da crise que conduziu aos desastres anteriores.

 

Mais uma vez, a direita política agita o ambiente, contesta a existência da tentativa de paz que a União Europeia significa, defende o isolamento da Europa e o seu papel coadjuvante dos Estados Unidos. Constrói a ideia de barricadas ideológicas em defesa do capital e de uma sociedade baseada no domínio de uma classe sobre outra.

 

O Reunião Nacional na França, a Liga italiana, o Fidesz na Hungria, o Vox na Espanha, o Chega em Portugal e todos os outros de extrema direita nos 27 países da União Europeia representam a sombra de um passado que procura se repetir e que já levou ao desastre da guerra, miséria e fome. O traço comum entre eles é o nacionalismo, o euroceticismo, a anti-imigração e a islamofobia. Seus mais fortes representantes estão na Alemanha, Áustria, Países Baixos, Suécia, Hungria, Finlândia, Dinamarca, Grécia, França, Itália e Polónia. Treze por cento dos assentos no Parlamento Europeu estão em mãos desses partidos, hostis e eurocéticos.

 

Faz-se uma divisão no entendimento do que significam a direita radical e a extrema direita. A primeira prega uma reforma do sistema político-econômico dentro do processo democrático ao passo que a extrema direita se coloca contra a existência da própria democracia.

 

A esquerda

 

O fim da Segunda Grande Guerra viu crescer em importância a luta dos partidos de esquerda, principalmente os comunistas. Eles foram a espinha dorsal da resistência à dominação nazifascista e ressurgiram depois da guerra como partidos de massas. Representaram uma pressão de grande força para as reformas sociais que os governos sociais-democratas foram obrigados a realizar em favor dos trabalhadores.

 

A própria social-democracia nasceu como uma solução de compromisso para, através de concessões aos trabalhadores, enfrentar o crescimento e o prestígio das organizações comunistas. Recebeu forte apoio da Igreja Católica por seu medo ao comunismo, que identificava com o materialismo filosófico. O fim do socialismo soviético, no entanto, foi o fator determinante que enfraqueceu o movimento comunista e levou ao desaparecimento de vários dos seus partidos.

 

E a direita, à imagem de um cinematográfico Jason Voorhees, volta a surpreender ao ritmo da crise do capitalismo e das contradições advindas de um sistema que reage ao fim do seu papel histórico. 

 

Embora exista uma extrema direita na Europa, como atesta o surgimento de vários novos partidos nazifascistas, o mesmo não acontece no campo da esquerda. Pois não existe uma extrema esquerda atuante nos partidos existentes. A antiga nomenclatura já não traduz a realidade atual. Mesmo o mais antigo dos partidos comunistas, o PCP-Partido Comunista Português, aparece em coligação com partidos de centro e na defesa de eventuais propostas sociais-democratas. Seria conveniente para a retórica da direita que existisse uma prática extremista de esquerda, pois isto legitimaria a sua radicalização e práticas políticas. Mas tal não ocorre. Nas últimas eleições alemãs, apontou-se um certo e surpreendente “favoritismo da esquerda”, quando o que se observou foi o crescimento social-democrata.

 

Há superficialidade em atribuir denominação de extrema esquerda a partidos com assento nos parlamentos que defendem moderadas teses sociais-democratas. É o mesmo jogo de ilusionismo político que se verifica no Brasil, em que se procura definir Lula e Bolsonaro como os extremos de esquerda e de direita. Embora a definição possa estar e está correta em relação a Bolsonaro, não se aplicaria às posições moderadas de Lula. Quando são denominados “os dois extremos”, verifica-se intencional tentativa de manipulação da opinião pública.  

 

A solução que se procura definir como “de centro” é a que defende a exploração dos trabalhadores pelo capital, o fim de serviços públicos em benefício dos interesses privados, o corte nos salários e pensões, a privatização das empresas públicas e o individualismo. Confunde e procura vender como sinônimos os conceitos de democracia e neoliberalismo.

 

Fotografia de Celso Japiassu

Celso Japiassu: Poeta, articulista, jornalista e publicitário brasileiro. Trabalhou no Diário de Minas como repórter, na Última Hora como chefe de reportagem e no Correio de Minas como Chefe de Redação antes de se transferir para a publicidade, área em que se dedicou ao planejamento e criação de campanhas publicitárias. Colaborou com artigos em Carta Maior e atualmente em Fórum 21. Mora hoje no Porto, Portugal.

É autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).




Qual é a sua reação?

Gostei
1
Adorei
1
Sem certezas
0

Também pode gostar

Os comentários estão fechados.

More in:Política