O sótão era uma nuvem de pó sobre os móveis e velharias que durante décadas se acumulavam.
– Havia muitos anos que o avô não vinha cá – talvez por isso a porta que dava acesso ao sótão custasse a abrir, presa por uma argamassa construída pelos anos. Talvez por isso também em casa se acumulasse tralha inútil e inconsertável – os velhos não deitam nada fora.
No sótão, as peças guardadas contavam a história de uma vida. Em vez de arrumar tudo em caixas para procurar um destino, os netos desarrumaram a vida guardada pelo avô. Mexiam com curiosidade cada objeto, tocavam-lhe com carinho.
– Olhem o que encontrei! – Gritou entusiasmado um dos netos. Os outros correram a rodeá-lo, curiosos sobre a nova relíquia a explorar.
Dentro de um grosso caderno envelhecido e empoeirado, de capa grossa de couro e de páginas com pontas dobradas, seguiam-se apontamentos datados, escritos pela letra do avô.
Finalmente puderam arrumar os pertences do velho homem, dividi-los entre eles e dar-lhes um destino com que todos concordassem. O diário foi o legado que decidiram conservar. Ao lê-lo, não esqueceriam o avô, e aquilo que ele tinha escolhido ser digno de contar, pertenceria à família para sempre.
Olinda Pina Gil, mestre em Ensino pela Universidade Nova de Lisboa, é atualmente professora de Português no Ensino Básico e Secundário, mas reúne diversas experiências profissionais no currículo. Estreou-se na escrita no “DnJovem”, suplemento do “Diário de Notícias”. Foi 3º prémio do concurso literário “Lisboa à Letra” em 2004, na categoria de prosa.
Tem diversos contos publicados em ebook. Colabora com frequência em coletâneas e diversas publicações. Pertence à Direção da ASSESTA – Associação de Escritores do Alentejo.
Publicações:
Contos Breves, 2013, ed, de autor;
Sudoeste (2016, 2014 em ebook), Coolbooks (Porto Editora)
Sobreviventes (2017, 2015 em ebook), Coolbooks (Porto Editora)
O Príncipe e o Lobo, 2022, ed. de autor