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O caminho do mal, de Grazia Deledda em tradução de William Soares dos Santos | Myrian Naves; William Soares dos Santos

 

“O caminho do mal”, de Grazia Deledda – Tradução, notas e posfácio de William Soares dos Santos.

 

Excerto

 

“Um, dois, beijos infinitos. Ela queria gritar, mas não podia; por outro lado, ninguém a teria ouvido, na solidão do vale deserto. Ele a beijava e ficava em silêncio, e mantinha os olhos fechados: ela estava com medo, mas pouco a pouco os seus joelhos se dobraram, o ardor dos lábios de Pietro entrava em seu sangue; ela tinha impressão de que iria morrer… Acordando e lembrando que Pietro a tinha beijado de verdade, ela confundiu a impressão da realidade com a do sonho; uma sensação de doçura que ela nunca havia sentido invadiu o seu coração. Mas logo depois veio a reação. Pietro Benu, seu criado, a havia beijado!  Ela tinha sido beijada por um servo!

 

Suprema vergonha”

 

Uma Sinopse

 

O caminho do mal narra a complexa história de amor de Maria Noina, filha de proprietários de terras, e de seu servo Pietro Benu. Incapazes de encarar as contingências da divisão de classes, eles têm seus desejos contrariados pelos códigos sociais de sua época, acarretando autocensura, relações de ódio e a constante tensão entre as suas pulsões e as convenções da comunidade em que vivem. Esses sentimentos de atração e repulsa, paradoxalmente, os unem. Maria e Pietro se amam. E seu amor é possível somente se ambos seguirem pelo caminho do mal.”

 

Fotografia de Grazia Deledda

 

GRAZIA DELEDDA

 

Grazia Maria Cosima Damiana Deledda nasceu na cidade de Nuoro, na Sardenha, Itália, em 27 de setembro de 1871 e faleceu em Roma, no dia 15 de agosto de 1936. Grazia Deledda frequentou apenas quatro anos de escola, o que era o máximo de tempo que uma mulher em sua cidade e em sua época conseguia estudar. Depois disso, seguiu sua educação de forma independente. Ela se interessou por literatura desde muito jovem por influência do pai e iniciou a sua carreira de escritora muito precocemente. Aos dezessete anos, em 1888, enviou a Roma alguns contos que foram publicados pelo editor Edoardo Perino na revista “L’ultima moda” (“A última moda”). Em poucos anos ela se tornou uma das mais importantes expressões da literatura italiana entre os séculos XIX e XX, a primeira mulher italiana (e, até o momento, a única) a ser reconhecida com o prêmio Nobel de Literatura, em 1926. Deledda deixou uma obra grandiosa: 32 romances, 250 contos e outras obras. Entre os seus escritos mais conhecidos estão os romances Juncos ao vento e Cosima.

 

O tradutor do livro no Brasil, William Soares dos Santos, é professor da UFRJ e escritor brasileiro nascido no Rio de Janeiro, licenciado em Português/Italiano pela UFRJ e em Inglês pela Universidade Estácio de Sá. Possui mestrado em Linguística Aplicada pela UFRJ e doutorado em Estudos da Linguagem pela PUC-Rio. É Professor Associado da Faculdade de Educação da UFRJ, onde atua como Professor de Prática de Ensino de Português/Italiano. É, também, Professor do Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PIPGLA) e do Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas (PPGLEN) da Faculdade de Letras da UFRJ. Foi professor visitante da Università Federico II, Napoli, em 2019 e em 2022. Foi um dos cinco finalistas do prêmio Jabuti de 2020 pela tradução do livro A cidade do vento de Grazia Deledda. Em 2021, foi ganhador do prêmio da Casa delle traduzioni de Roma, na Itália, em reconhecimento por suas traduções de A cidade do vento e Elias Portolu de Grazia Deledda. (Texto completo ao final do artigo.)

 

Segundo o tradutor, em seu posfácio ao livro, intitulado, “A narrativa do romance O Caminho do mal (e um pouco sobre a vida e a obra de Grazia Deledda), O Caminho do mal “não é uma de suas obras mais complexas, mas pode ser considerada a sua primeira obra de maturidade. Como bem nos lembra Olga Lombardi (1989:30),

 

“é ainda uma Deledda da primeira fase, presa em um tardo romantismo, alternativa ao empenho naturalista – do qual a escritora se libertará rapidamente a partir de uma crescente consciência crítica –, mas é já capaz de transformar o documento folclórico em um testemunho daquela consciência moral com a qual Deledda procurará sempre interpretar o caráter de sua região”. 

 

E, em sua análise, no romance há importante descrição de paisagens da Sardenha, diálogos interiores através dos quais a narradora faz saber aos seus leitores os estados íntimos dos personagens principais. E que “Embora o tema central seja o “Eros”, o amor sensual em sua forma primitiva, o romance também explora a experiência do confronto com “Thánatos”, a morte, transformação irremediável da existência. Como um dos elementos centrais a luta entre os indivíduos para conjugarem seus desejos pessoais com aqueles da sociedade ao seu entorno. É nesse combate de conflito de interesses que Maria Noina e Pietro devem superar as contingências da divisão de classe social que os separa para poderem se relacionar, nem que para isso tenham de seguir pelo caminho do mal.”

 

Ainda no posfácio, William Soares dos Santos faz o leitor refletir sobre a leitura do romance de Deledda:

 

“Uma das principais belezas e qualidades do romance O caminho do mal está, justamente, na captura da complexidade de um mundo em que os desejos do indivíduo são confrontados com as forças sociais que o constringem em um constante embate de forças. Quem vencerá? Os que se adequam à rígida estrutura social ou aqueles que escolhem o caminho da quase indomável força de Eros? Nessa luta, tudo parece indicar que não há verdadeiros vencedores. O que o romance de Deledda parece querer nos mostrar é que todas as vezes que forças sociais constringem a liberdade de escolha dos indivíduos, o resultado mais evidente é o sofrimento para todos, sendo a própria sociedade prejudicada como um todo.”

 

Referência

 

LOMBARDI. Olga – Invito alla lettura di Grazia Deledda. Editora Mursia, 1989.

 

Fotografia de William Soares dos Santos

William Soares dos Santos é professor da UFRJ e escritor brasileiro nascido no Rio de Janeiro. É licenciado em Português/Italiano pela UFRJ e em Inglês pela Universidade Estácio de Sá. Possui mestrado em Linguística Aplicada pela UFRJ e doutorado em Estudos da Linguagem pela PUC-Rio. É ProfessorAssociado da Faculdade de Educação da UFRJ, onde atua como Professor de Prática de Ensino de Português/Italiano. É, também, Professor do Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PIPGLA) e do Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas (PPGLEN) da Faculdade de Letras da UFRJ. Foi professor visitante da Università Federico II, Napoli, em 2019 e em 2022. Foi um dos cinco finalistas do prêmio Jabuti de 2020 pela tradução do livro A cidade do vento de Grazia Deledda. Em 2021, foi ganhador do prêmio da Casa delle traduzioni de Roma, na Itália, em reconhecimento por suas traduções de A cidade do vento e Elias Portolu de Grazia Deledda.

Dentre os seus últimos trabalhos estão o livro Três Sóis, de 2019 e o romance Memórias de um triste futuro, de 2020, ambos publicados pela Editora Patuá. Realizou a organização e o posfácio do livro de contos Nós que aqui estamos (também pela editora Patuá), do coletivo de escritores Rizoma, em 2022.

www.williamsoaresdossantos.com.br

Myrian Naves, brasileira, de Belo Horizonte, poeta, escritora, editora e professora de Literatura Brasileira. Em comemoração ao Centenário do escritor José Saramago em 2022, organizou a antologia de contos inéditos “Todos os Saramagos”, com autores brasileiros e portugueses pela Páginas Editora, juntamente com a editora Leida Reis. Publica em 2023, “Monami”, poema, pela mesma editora. Faz parte do Conselho Editorial de InComunidade. Publica em revistas, antologias. Criou a Cantaria, artes e ofícios que trabalha com as relações entre literatura, artes e educação.

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