Política

Lula, em 6 meses, uma corrida de obstáculos | Havana de Moraes Marinho, Jales Marinho

Convenhamos que é um imenso desafio! Uma tarefa hercúlea conquistar cinco vitórias (3 vitórias de Lula e 2 de Dilma) em nove eleições presidenciais num país conservador, de cultura colonial e escravocrata, com uma tradição coronelista que remonta o Brasil Império. E marcado por golpes civis e militares sempre que o Presidente eleito não rezava na cartilha do mercado, das elites agrárias, dos barões do comércio, da indústria e do sistema financeiro. Tudo para manter os privilégios históricos das castas dominantes, em detrimento da construção de uma nação brasileira. 

 

                   Basta ver a deposição de João Goulart (Jango), em 1964, em razão de suas reformas de base. A tentativa contra Lula, em 2006, com o Mensalão; os protestos de rua, a partir de 2013 e a Lava Jato, em 2014, que resultaram no golpe contra Dilma Roussef e a prisão de Lula, em 2018, para barrar seu retorno nas eleições do mesmo ano. Para um partido de esquerda, esse feito é ainda mais surpreendente, quando se verifica seu protagonista nesse processo eleitoral desde 1989, ou seja, há 33 anos, alternando vitórias, derrotas e disputas no segundo turno das eleições. 

 

                     O mesmo desafio foi enfrentado e superado pelo seu líder maior, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, se levarmos em conta sua trajetória de superação pessoal e de toda sorte de limitações e incompreensões. A ponto de deixar uma prisão controversa e injusta de 580 dias para conquistar a terceira vitória presidencial, além de ter elegido antes, por duas vezes, sua sucessora em 2010 e 2014.

 

                     E com uma surpresa adicional: exercendo uma liderança global sem precedentes na história política do Brasil e até internacional. Levando, conjuntamente, o protagonismo do país no exterior, como um verdadeiro caixeiro-viajante dos interesses comerciais do Brasil. 

 

                 Não seria exagero admitir que com sua trajetória vitoriosa, Lula nem precisou subir ao monte Everest para chegar ao topo do mundo. Enaltecer esses feitos pode parecer ufanismo. Mas nota-se que é uma realidade indiscutível. Tanto que se tornou mais reconhecido e admirado lá fora do que nas nossas fronteiras, onde uma elite arcaica e uma classe média em parte reacionária fazem de tudo para não perder o poder, os privilégios históricos e manter o status quo de uma sociedade colonial.   

                               

                  Claro que esse protagonismo tem relação com a capacidade de diálogo do Presidente e a credibilidade do governo. É como se a maioria dos parceiros comerciais do país estivessem ansiosos para retomar as relações bilaterais e ampliar as parcerias com o Brasil. Com isso, o saldo positivo da balança comercial já superou os US$ 46 bilhões no primeiro semestre do ano, um novo recorde. Com perspectivas de superar US$ 86 bilhões em 2023, 40,5% a mais em relação ao ano passado. 

 

                     No poder a partir de janeiro último, o Presidente Lula tem enfrentado um novo calvário, apesar de imaginarmos antes que, com sua vasta acumulação política e sua capacidade de liderança e conciliação, as dificuldades seriam bem menores. Ao se fazer um balanço dos seis primeiros meses de seu governo, nota-se que as turbulências políticas e as demais dificuldades que limitaram muitas iniciativas governamentais decorrem do trágico legado de terra arrasada do governo anterior, bem como do fortalecimento da bancada conservadora no Congresso Nacional. 

 

                   Mesmo com toda a sua experiência anterior, seria até um equívoco esperar menos dificuldades do Presidente no terceiro mandato. A tradição autoritária da sociedade brasileira e o avanço da extrema direita no Brasil e no mundo tornaram o convívio político mais tormentoso. Além de ampliar ainda mais a divisão da sociedade, agravou a intolerância política e eliminou o comportamento civilizado presente nas eleições anteriores, com profundos reflexos na relação do Executivo com o Legislativo. 

 

                   Com uma prática política baseada na mentira, essa extrema direita procura alimentar sua legião de fanáticos seguidores nas redes digitais com narrativas sem conexão com a realidade, tenta tumultuar o processo legislativo e contaminar até as instituições públicas com sua pregação repleta de ódio e dissimulação.

 

                 Tanto que a liderança do Lula, seu prestígio internacional e os resultados positivos alcançados por seu governo até agora, em lugar de motivar e unir os brasileiros, despertam cada vez mais ressentimento e ódio de parte da sociedade. Não propriamente em relação ao Lula e ao seu partido, o PT, mas ao que ele representa como alternativa de poder político e de formulação de políticas públicas assertivas, que promovem a inclusão social e dão dignidade às populações marginalizadas. 

 

                    Isso porque o desempenho positivo nos três mandatos, reconhecidos pela maioria das pessoas, representa uma espécie de atestado de reprovação – e de incompetência – das elites políticas no enfrentamento das mazelas econômicas e sociais do país. Isso explica, em parte, as dificuldades enfrentadas pelo Presidente nesse início de governo, aliado à má vontade das lideranças políticas de oposição e até dos que já participam com cargos no governo. 

 

                    Essa má vontade se estende até mesmo ao comando do Banco Central que, apesar das ações assertivas do Executivo na área econômica, reconhecida até por investidores internacionais, com reflexo na queda do preço dos combustíveis e dos alimentos. E consequentemente da inflação, demonstrando a responsabilidade do governo na condução da política fiscal. Mesmo assim, o Comitê de Política Econômica (COPOM) insistia em manter a taxa de juros acima dos 12,5% ao ano, a mais alta do mundo.

 

                     Num balanço político dos seis meses de governo, nota-se que o Presidente ainda se depara com imensos desafios que vão além do esforço de refazimento de todas as pontes institucionais destruídas pelo governo anterior. E da reconstrução nacional. A maior dificuldade será com a Câmara dos Deputados, dominada por caciques regionais, refém de uma cultura fisiológica e da política do toma-lá-dá-cá, que sempre marca a relação do Executivo com os parlamentares. Desafio agravado pela pulverização de partidos políticos e com a chegada da bancada do ódio, que tenta vandalizar a relação política e transformar a Casa num show de horrores.

 

                     Por mais habilidade e paciência no trato com esse Congresso Nacional hostil, Lula está longe de conquistar uma base parlamentar segura e confiável. E navegar num mar de tranquilidade. Até por lidar com bancadas ávidas por cargos no governo, independente de posições político-partidárias e de terem ou não apoiado o atual Presidente. Essa cultura torna o Executivo refém de toda sorte de pressão e até chantagens, no funcionamento da lógica do presidencialismo de coalisão. Tudo estimulado pela prática anacrônica de emendas parlamentares, que realimentam o círculo vicioso do fisiologismo político, que perpetuam, nos estados e municípios, a farra com recursos públicos. 

 

                     Diante de todas essas dificuldades, o avanço da proposta de Reforma Tributária na Câmara surge, por exemplo, como um alento no esforço pela consolidação da governabilidade, o que permitirá ao governo avançar nas demais reformas necessárias ao desenvolvimento nacional e modernização do país. Embora o apoio da maioria do Legislativo seja positivo, o apoio por adesão significa que Lula não terá vida fácil nessa relação com o Congresso. Até porque outras reformas, como a administrativa, do judiciário, das forças de segurança, além da regulação da mídia, estarão na pauta do governo e vão dividir opiniões e posições. Isso sem falar nas eleições municipais do próximo ano.

 

                     Como algumas das propostas de reforma implicam o enfrentamento de privilégios históricos, de distorções na estrutura administrativa do setor público, por certo o governo enfrentará fortes resistências para aprovar tudo que constar da sua pauta de prioridades. Tendo que enfrentar toda sorte de lobbies e interesses distintos, os negociadores do Palácio do Planalto terão que exercitar suas habilidades e capacidade de diálogo para conseguir a maioria de votos necessários à aprovação de cada proposta.

 

                     Esperar altruísmo, patriotismo, compromisso com o país e com a sociedade brasileira numa Casa, cuja maioria é refém de vícios históricos do fisiologismo e que pensa mais na próxima eleição do que nos interesses maiores do país é um desafio e tanto. Mas é esperar para ver.   

 

                     Em que pese todas as dificuldades, o governo avançou no processo de reconstrução nacional, em especial com a retomada das políticas públicas de inclusão social e econômica, na adoção de medidas de defesa do meio ambiente e proteção dos povos originários, além de retomar o empenho no sentido de que todos os segmentos da sociedade se sintam representantes – e parte – do governo. 

 

                     Um exemplo são a criação dos Ministérios dos Povos Originários, das Mulheres, dos Direitos Humanos, da Cultura e do Meio Ambiente, além de deixar o Ministério da Saúde imune às ingerências nefastas do fisiologismo político. Num reconhecimento e demonstração de que todos os segmentos excluídos historicamente existem e estarão presentes na pauta e nas preocupações do governo. 

 

                      A partir da reestruturação administrativa, o governo já conseguiu avançar também nas ações afirmativas que foram as marcas das gestões anteriores: os programas Minha Casa Minha Vida, que prevê a construção de 2 milhões de novas moradias em quatro anos, os Mais Médicos, que prevê a contratação de mais 15 mil profissionais até o final do ano, totalizando 28 mil médicos, além do Luz Para Todos, que levará energia elétrica a 500 mil novas residências nos próximos anos. 

 

                      Também foi retomado o Programa Cisternas, que beneficiará 60 mil famílias do semiárido nordestino, além do lançamento do Programa de Escola em Tempo Integral, que beneficiará 3,6 milhões de alunos até o final do governo. E considerando que a iniciativa não faz parte das prioridades educacionais, o governo encerrou o Programa de Escolas Cívico-militares, instituído pelo Governo anterior e repleto de controvérsias.

 

                      Os primeiros resultados positivos das ações do governo não se refletem apenas na economia, com a queda dos preços dos alimentos, da inflação e do dólar. Em relação à proteção dos povos originários, o desmatamento nas terras Yanomamis caiu cerca de 60% em julho e 44% em todo o Estado de Roraima. O alerta de ocupação das mesmas áreas Yanomamis pelo garimpo ilegal caiu 93%, segundo informação da Polícia Federal. Na região amazônica a queda foi de 66% até agora. 

 

                  O desemprego caiu a 8,3%, depois de fechar 2022 em 9,3. No semestre, foram criados mais de 1 milhão de novos empregos formais. Com o lançamento do novo Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, que prevê investimentos de R$ 1,7 trilhão em infraestrutura até o final de 2026, em especial nas áreas de rodovias, ferrovias e habitação, o número de novos empregos pode chegar a 5 milhões.  

 

                  Com esses avanços em poucos meses de governo nota-se que o Presidente Lula está no caminho certo para cumprir suas promessas de campanha de reconstrução nacional e de fazer do seu terceiro mandato a melhor gestão de sua vida política. E fazer muito mais pelo país, especialmente em termos de universalização de oportunidades, diminuição das desigualdades e melhoria real de vida dos brasileiros.

 

Fotografia de Havana de Moraes Marinho

 

Fotografia de Jales Marinho

Havana de Moraes Marinho, Jornalista, Cientista Política e Advogada.

Jales Marinho, Jornalista e Advogado.




Qual é a sua reação?

Gostei
0
Adorei
1
Sem certezas
0

Também pode gostar

Os comentários estão fechados.

More in:Política