Desde que Felipe II rei da Espanha e também de Portugal (e consequentemente do Brasil e demais colônias) teve a brilhante ideia de levar a capital do reino para Madri em 1561 o centralismo tem sido a única política econômica e de desenvolvimento da península Ibérica.
“Tudo deve começar ou passar pela capital”… frase atribuída a muitos políticos e monarcas mas que teve um profundo eco na península ibérica e que até hoje se reflete na composição econômica e demográfica da Espanha e até mesmo justifica em certa maneira os nacionalismos existentes no país e a problemática da chamada “Espanha vazia”.
Embora houve movimentos e tentativas de descentralizar as políticas, os investimentos e os recursos, basta contemplar o mapa do pib ou demográfico espanhol para ver que existe uma perceptível centralização… e não que isso seja algo pernicioso, porém explica muito dos processos demográficos, econômicos e políticos do país…
A Espanha possuí uma capital que está entre as primeiras cidades da Europa e do planeta, porém ao seu redor, cidades como Soria ou Guadalajara são verdadeiros desertos populacionais sem possibilidades nem oportunidades…
E embora fosse justificável a centralização durante o processo de industrialização do país e do crescimento econômico, o mesmo já não é sustentável… nem mesmo Madrid é sustentável, pois ao ser a Meca do trabalhador espanhol, já faz tempo que a mesma não consegue absorver o aumento da população gerando processos tais como a gentrificação e o alto valor do metro quadrado… Um trabalhador de Madrid ganhando o salário médio da região simplesmente não consegue chegar ao fim de mês ou pagar por sua moradia…
Porém as políticas centralistas continuam, e regiões como a Galicia são completamente negligenciadas se transformando em um mero satélite da capital, basta verificar a produção energética, Galicia é uma das maiores produtoras de energia da Espanha ainda assim o custo energético é um dos mais elevados, sendo que mais da metade de sua produção é destinada ao consumo da capital… Assim mesmo a região teve que correr atrás para participar no chamado Corredor Verde, mesmo com potencial para produzir hidrogênio verde…
Foto: Mapa del Corredor Verde…
Tudo parece indicar que o modelo feudalista, onde tudo era direcionado a centralidade do poder continua vigente na Espanha.
Em Portugal as coisas tiveram uma rota diferente… Porto e Braga… e mais recentemente Aveiro conseguiram se contrapor ao poder de Lisboa e dividir melhor os recursos no país luso… o fato de que o país tenha decidido construir o seu maior porto seco em Famalicão, longe de Lisboa já indica que busca dinamizar sua economia, fora sua tentativa de conectar por via férrea de alta velocidade a região norte com a Galicia….
Porém em Madrid tudo continua sendo visto como um ataque a soberania espanhola… tudo é motivo de dúvidas e de limitações…Tanto é assim que o país que propôs a União Europeia um corredor atlântico, ignorou completamente sua saída para esse oceano, fazendo com que o víeis principal passasse por Madrid a mais de 500km do oceano atlântico em linha reta até Figueira da Foz ignorando Galicia cujos principais portos estão nessas águas…
Foto: O corredor Atlântico que negligenciou o próprio Atlântico.
A Espanha tal qual nobre desconfiado de seus súditos, centralizou ou tratou de centralizar ao máximo seu desenvolvimento e suas iniciativas, delegando as demais regiões uma crescente reivindicação por atenção é melhorias…
O próprio País Basco, o mais bélico dos membros da Espanha, após obter a tão sonhada liberdade fiscal segue anexado a Espanha.. liberdade essa que foi negada a Catalunha e que gera tantas revoltas…
Certo é que existem outros fatores nos movimentos nacionalistas, tais como o respeito a suas línguas pátrias, sua cultura e suas históricas constituições…, porém o que mais pesa no final das contas são os recursos e como eles são divididos…
A Espanha poderia de fato superar seu problema de perda de população diversificando seus investimentos e promovendo um crescimento econômico mais homogêneo e justo com todos os cidadãos…
Densidad de población España
Porém a realidade é bem diferente entre a capital e a Espanha deserta, em Madrid por exemplo existem serviços a nível europeu, low cost mantido pela União Europeia, e prestações múltiplas… já no interior, filas de hospitais, falta de infraestrutura, desemprego e dificuldades além de altos custos para a mobilidade…
O jovem que mora em uma província do interior da Espanha é literalmente obrigado a se mudar a Madrid para ter acesso ao mercado de trabalho, já que é incapaz de sobreviver em sua região…
Motivo que explica o fato de que a Espanha jamais conseguiu se consolidar como 3ª economia da Europa, pois possui elevada concentração de sua atividade econômica.
O mais lógico nesse sentido seria promover um novo modelo macroeconômico para um país, capaz de abraçar a diversidade e usar a mesma como um potencial.
Promover áreas de desenvolvimento econômico e novas centralidades econômicas e dessa forma redistribuir a economia do país ibérico.
Fazendo um levantamento demográfico e econômico simples, assim como levando em consideração os fluxos de comércio e mercadorias a Espanha poderia definir áreas de potencial econômico, sendo elas:
– Madrid e eixo central, algo que de fato já existe e que tem grande projeção internacional devido ao poder de hardpower e softpower da Espanha.
– Barcelona e Catalunha como eixo secundário, porém de grande relevância em outros mercados europeus e internacionais.
– Galicia e norte de Portugal, euro-região que já existe e que contempla diversas potencias industriais tais como Vigo, Viana, Braga e Porto, além do potencial lusófono, lembrando que a Espanha entrou como membro observador da CPLP.
– Sevilha e Cádiz como potencial para o norte da África e primeira porta de acesso ao país ibérico.
– Bilbao e região como polo industrial e de tecnologia.
– Valencia mediterrâneo como polo de serviços e com características climatológicas preferenciais.
Dessa forma a Espanha não somente conseguiria superar o problema da centralização econômica, mas poderia gerar um modelo de desenvolvimento e crescimento econômico em formato cruciforme capaz de promover uma maior fixação da população em cidades que perdem habitantes, diversificar os investimentos, ampliar suas potencialidades, reduzir os fluxos internos migratórios e ter um maior uso do solo para atividades produtivas e para a geração de riquezas, promovendo assim um modelo sustentável do país que vai além de sua dependência do turismo ou de setores de base tais como a construção civil.
Para Galiza e norte de Portugal essa nova conjuntura daria lugar a 4ª economia da península ibérica, com saída ao oceano Atlântico e potencial lusófono, ao final Galego e Português são línguas utilitárias aproximadas cujo numero de usuários superam as 250 milhões de pessoas, e tudo isso sem entrar em competição direta com o resto de áreas econômicas do país.
A Xunta de Galicia até possui alguns projetos nesse sentido, porém todos limitados aos anseios da centralização de Madri, tentando ao mesmo tempo sobreviver a crescente falta de população jovem… quando tem todo o potencial de se transformar em um dos eixos econômicos da Espanha!
Porém essa realidade somente irá mudar, quando os atores locais advogar pela mesma e convencer a Madrid de que sozinha, não poderá competir com o mundo globalizado…
Espanha é muito mais forte quando sua diversidade é levada a consideração e utilizada como diferencial de mercado… e isso sem dúvidas iria reduzir as tensões internas… já que um povo com trabalho e prosperidade… é um povo feliz!
Wesley Sá Teles Guerra, formado em Negociações Internacionais pelo Centre de Promoció Econômica del Prat de Llobregat (Barcelona), Bacharel em Administração pela Universidade Católica de Brasília, Pós-graduado em Ciências Políticas e Relações Internacionais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, MBA em Marketing Internacional pelo Massachussetts Institute of Business, MBA em Parcerias Globais pelo ILADEC, Mestrado em Políticas Sociais com especialização em Migrações pela Universidade de A Coruña (Espanha), Mestrado em Gestão e Planejamento de Cidades Inteligentes (Smartcities) pela Universitat Carlemany (Andorra) e doutorando em Sociologia e Mudanças da Sociedade Contemporânea Internacional.
Atuou como paradiplomata e especialista em cooperação internacional e smartcities para a Agência de Competitividade da Catalunha (ACCIÖ – Generalitat de Catalunya), atualmente é colaborador sócio do Instituto Galego de Análise e Documentação internacional (IGADI) e do Observatório Galego da Lusofonia (OGALUS), Também participa como coordenador da área de Economia, Ciência e Tecnologia do CEDEPEM – UFF.
Idealizador e diretor do CERES – Centro de Estudos das Relações Internacionais, membro do Smart City Council, do IAPSS International Association for Political Sciences Studentes, do Consório Europeu para a Pesquisa Política, REDESS, Centro de Estratégia e Inteligência das Relações Internacionais e colaborador da ANAPRI.
Autor dos livros”Cadernos de Paradiplomacia” (2021) e “Paradiplomacy Reviews” (2021) além de participar do livro “Experiências de Vanguarda, no ensino nos países lusófonos” publicado em 2021 pelo CLAEC e organizado pela Dra. Cristiane Pimentel.
Professor, articulista e especialista: wesleysateles@hotmail.com