Política

Editorial: do 25 de Abril ao 1º de Maio, ontem e hoje | Alfredo Soares-Ferreira

Editorial de Maio

Revista InComunidade

 

Quarenta e nove anos depois, o 25 de Abril continua no horizonte, como nos dias claros da Revolução. Símbolo da libertação, do fim do medo, da PIDE e de todo um sistema podre, por dentro e por fora. O fim de um regime impossível, de repressão e censura, da guerra colonial e do desrespeito absoluto pelos direitos humanos. De Abril a Maio foi, no longínquo 1974, o afirmar bem alto, nas ruas e praças, a alegria da libertação, o fim do Portugal triste e pacóvio, que os dirigentes do regime mostravam a um mundo em transformação. Acabava a subjugação, festejava-se a vitória da utopia sobre o obscurantismo, da prevalência da luz sobre as trevas do passado moribundo. Não havia à época lugar à indiferença, parecia que todos tinham voz e a participação colectiva era uma realidade indesmentível. 

 

Vale a pena saudar e festejar Abril e Maio? Sempre e cada vez com mais força, é um sim rotundo e firme, a certeza que vale a pena, na vida e na luta. Por entre perdas e danos, vão ficando as revoltas, com a melancolia que suporta a indiferença. Por entre desilusões e alguns enganos, fracassos também, irá florescer a insubmissão, característica dos espíritos inquietos. E sobrará decerto a esperança, a convicção de que a palavra é o acto de intervir e que o gesto do punho erguido é hoje o sinal do poder que está cá dentro e de que não prescindimos nunca de usar para mudar.

 

O que foi, em 1974, o fim da institucionalização forçada do pensamento único e da sua prática absolutista e censória, deveria ter sido um sinal para que tal não se voltasse a repetir. Todavia, tantos anos passados, tal “conceito” volta à cena social e política, apesar de devidamente temperado pela doce aragem neoliberal, ao instituir uma doxa, eivada de uma suave crueldade, que aparentemente permite a livre expressão, mas que, na verdade, incorpora a submissão em todas as suas manifestações. Importa reter a imagem dos dias de hoje e lembrar o que foi antes, não como apenas saudade, mas como lição de rebeldia, mais que necessária, no que parece ser a resistência ao retrocesso que nos assola. Ousadia precisa-se, provavelmente uma palavra de ordem pouco comum, todavia sinónimo do que parece fazer falta nas sociedades contemporâneas. Uma ousadia que implica a insatisfação permanente perante alguns desmandos dos sistemas que pensam ter a verdade na ponta do fuzil.

 

Hoje, de Abril a Maio, no ano 2023, o desafio que nos é colocado resulta numa interrogação e numa afirmação. A primeira poderia significar eventualmente uma questão simples, o que nos resta de Abril e Maio, quarenta e nove anos depois? A segunda, provavelmente panfletária, poderia resumir-se na necessidade de lutar de novo. 

 

A resposta à primeira é a afirmação da segunda. Pelas utopias, pela esperança. Talvez com aquele “Brilhozinho nos olhos”, do Sérgio, esperando que “Venham mais cinco”, com o Zeca, e seguramente, ainda com ele, abrindo a porta, sabendo que há sempre “Em cada esquina um amigo//Em cada rosto igualdade…”. 

O Fausto convidava-nos, em 1982, a ir “Por Este Rio Acima”. Apanhamos o barco hoje, aqui neste cais, “Com tantos medos e sobressaltos” e “Com tantos perigos, ai minha vida”. E mesmo repetindo “Cheia de mágoas, ai quebra mar”, sabemos que tem que ser, porque “O barco vai de saída”.

 

20 Abril 2023

Alfredo Soares-Ferreira 

 

Fotografia de Alfredo Soares-Ferreira

 

Alfredo Soares-Ferreira é Autor de várias intervenções, comunicações e publicações relacionadas com Cooperação e Educação para o Desenvolvimento, em Portugal, Angola, Cabo-Verde, Espanha, Guiné-Bissau, Itália, Moçambique e Timor-Leste. É Consultor de Projectos Educativos e de Inclusão Social de algumas instituições, nacionais e internacionais. É membro dos Colectivos  “Porto Com Norte, Fórum de Cidadania”, “Fórum Manifesto”, “Liberdade e Pensamento Crítico” e “Tanto Mar”. É co-Autor de “Portugal, Revolução, Unidade Socialista” (1977), “Bracarenses na crise académica de 1969” (2019) e “Paranhos em Poesia, Antologia Poética” (2021). É Autor de “Reflexos do Rio Torto” (2014) e “Rio Torto- A Nascente” (2021). É Licenciado em Engenharia de Telecomunicações, pós-graduado em Gestão e Estratégia Empresarial e em Administração Educacional. Actualmente aposentado de funções públicas, foi Engenheiro e Professor em diversos graus de ensino, secundário, profissional e superior.

Qual é a sua reação?

Gostei
1
Adorei
5
Sem certezas
0

Também pode gostar

Os comentários estão fechados.

More in:Política