Editorial
Estou cada vez mais convencida de que só pensamos quando não podemos fazer o contrário.
ANNIE LE BRUN
Estamos num tempo em que, mesmo face à indignidade moral do capitalismo, aqueles que reconhecem essa indignidade se abstêm de pensar e se remetem a fórmulas que o tempo demonstrou não constituírem alternativas que a maioria dos homens siga sem hesitação.
A história do último século tem demonstrado que os partidos socialistas e sociais democratas são simples organizações de gestão do capitalismo, levando a cabo um frouxo combate às inaceitáveis injustiças do sistema, desacreditando frequentemente a ideia que o seu nome indica porque, não só fazem promessas que não cumprem, como, porque a minoria ultraminoritária que domina o poder económico que eles gerem não estás disposta a abdicar de qualquer parte, por mais pequena que seja, da sua riqueza, preferindo apoiar as forças neofascistas cujo poder é crescente em todo o mundo.
Mas é cada vez menos aceitável, num tempo em que a riqueza mundial, se distribuída com justiça, permitiria que todos os homens vivessem com dignidade, que nada mude, ou apenas mude alguma coisa para que tudo fique na mesma.
Falta àqueles que se opõem ao sistema capitalista a imaginação que sobra aos seus defensores.
Aos que defendem a voracidade por dinheiro da insignificante minoria que domina o capitalismo opressor, a esses não lhes falta imaginação, porque a sofreguidão pelo dinheiro os leva a repensarem constantemente as melhores estratégias para o obterem.
Mas os que não aceitam a miséria moral que é, cada vez mais, o capitalismo, estagnaram no pensamento do século XIX, e não compreendem até que ponto o mundo mudou, e que essa mudança impõe que o discurso não continue a ser o mesmo do século XIX.
Não percebem que, devido à terceirização da economia, a classe operária, tal como a entenderam os pensadores do século XIX que quiseram libertá-la da escravidão mascarada de liberdade, como foi o caso de Karl Marx, essa classe operária não existe já.
Os partidos que albergam os que se opõem à sociedade capitalista, por ausência de pensamento, transformaram-se em organizações que apenas justificam sucessivas derrotas ou glorificam minúsculas conquistas, esperando os amanhãs que cantam tão longe que nunca mais se conseguirão alcançar.
Os sindicatos estão desprovidos de poder porque transformados em organizações burocráticas que funcionam como os aparelhos partidários. No caso do SOLIDARIEDADE, da Polónia, este sindicato transformou-se mesmo em instrumento colaborador da opressão.
A libertação principia sempre pela pessoa, não é apenas um ato social, coletivo.
É um ato que deve começar por ser individual e pelo qual o individuo deve ser responsabilizado. Correntes de pensamento que funcionam como se o Estado fosse um pai ou uma organização caritativa acabam por dar argumentos aos que defendem o tipo de sociedade em que o homem é o lobo do homem. Solidariedade exige responsabilidade, senão transforma-se em caridade. O direito a exigir da comunidade tem de começar pelo dever de exigir a si mesmo. Se assim não for, o que é coletivo, como deve ser o funcionamento do essencial da economia, acaba por se transformar em fracasso.
Ao contrário dos que defendem o sistema capitalista, não foi este sistema que originou o grande salto em frente que a humanidade deu nos últimos dois séculos. Foram, sim, a ciência e a técnica que originaram o grande progresso de que a humanidade tem beneficiado desde há duzentos anos.
Aliás, a realidade tem demonstrado que sistemas semelhantes ao capitalismo que existiram ao longo da história, nomeadamente no período helenístico, entre cerca de 350 e 150 antes de Cristo, não conduziram a grandes transformações na sociedade porque os poderes político e económico não incentivaram o desenvolvimento da ciência e da técnica, em grande parte devido à instituição da escravatura.
Por outro lado, a estagnação do antigo bloco soviético e da China de Mao Tse Tung deveu-se, essencialmente, ao facto de não incentivarem a imaginação criativa dos cidadãos e os seus deveres para com a sociedade e, consequentemente, o desenvolvimento da ciência e da técnica, como tem sucedido com a China desde a ascensão ao poder de Deng Xiao Ping, apesar das suas inaceitáveis limitações à liberdade.
É urgente pensar nestas lições da história para que o mundo seja um lugar decente para se viver.
É advogado e colaborou no Diário de Lisboa Juvenil e nas revista Vértice e Foro das Letras. Tem quatro livros de poesia e dois de prosa publicados. É diretor da revista online InComunidade e da Rádio Transforma.