Cultura

Dinossauros em Nioaque | Raquel Naveira

Vi os dinossauros. Foi num trevo da entrada de Nioaque, município da região centro-oeste. Uma fêmea, da espécie abelissauro, de couro verde como um crocodilo, postura ereta, patas pequenas encolhidas como braços. Ela espera, embaixo de um ipê-rosa, que os filhotes saiam dos ovos. Que percorram em breve o vale cortado pelo rio Miranda, de solo argiloso, vermelho-escuro. Ali, nas barrancas, foram encontrados  vestígios nas rochas, pegadas, pistas desses animais que circulavam por um dos maiores vales da Terra.

Imagino os seus corpos imensos, os chifres, as cristas, os babados de pele, as armaduras ósseas, as mandíbulas com fileiras de dentes moendo, triturando folhas, frutos e carnes. As grandes manadas nas encostas, os confrontos agressivos dos bandos, toneladas presas na lama, os assobios, os estrondos sônicos do estalar de suas caudas. De repente, uma catástrofe. Uma nuvem de poeira bloqueou os raios do sol. Por toda parte frio e incêndios. Um asteroide vindo do céu causou a extinção em massa dessas espécies, com exceção das aves emplumadas, aves que enfrentaram o terror, única linhagem sobrevivente da explosão carbonizante. O objetivo divino da criação desses animais havia se cumprido. Terá sido entre o quinto e o sexto dia? Entre uma e outra era? Entre um movimento e outro das marés? Monstros povoaram as águas. Leviatãs, cobras, tartarugas e lagartos rastejaram pelas areias. O Homo Sapiens começou a evoluir no planeta.

Nioaque…palavra com todas as vogais. Vem do tupi-guarani “Anhiac” que significa “clavícula quebrada”. Uma das cidades mais antigas do sul de Mato Grosso.  Fundada em 1849 pelo sertanista Joaquim Lopes, que fincou dois troncos de piúva em homenagem ao Barão de Antonina, patrocinador da expedição. Invadida durante a Guerra do Paraguai. Na praça central, um canhão e o Monumento dos Heróis da Retirada da Laguna relembram a bravura, o sofrimento atroz dos que lutaram até o sangue.

Todos que passaram por Nioaque: dinossauros, soldados, índios, sertanistas, desbravadores, escritores como o romancista Visconde de Taunay (1843-1899) e o folclorista Hélio Serejo (1912-2007), todos, todos deixaram seus rastros, marcas, sinais, esqueletos, fósseis cristalizados de tocas, de fezes e lágrimas.    

Vão longe os tempos dos dinossauros, afogados em milhares e milhares de anos. Posso ainda ver um dinossauro? Os dinossauros são um medo superado? Serei eu um dinossauro?

Depois dos dinossauros, as estrelas continuaram suspensas e brilhantes no firmamento. Imperecíveis. Olho para elas e aguardo, a qualquer momento, a luz fugaz de um meteoro sobre mim.

 

 

Fotografia de Raquel Naveira

 

A escritora Raquel Naveira é brasileira, nasceu em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no dia 23 de setembro de 1957. Formou-se em Direito e em Letras pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo. Título de Doutor em Língua e Literatura Francesas pela Faculdade de Nancy. Deu aulas de Literaturas Brasileira, Latina e Portuguesa na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), onde se aposentou. Residiu no Rio de Janeiro e em São Paulo onde deu aulas na Universidade Santa Úrsula (RJ) e na Faculdade Anchieta (SP). Deu também aulas de Pós-Graduação na Universidade Nove de Julho (UNINOVE)  e na ANHEMBI-MORUMBI de São Paulo. Palestras e cursos em vários aparelhos culturais como Casa das Rosas, Casa Guilherme de Almeida, Casa Mário de Andrade. Publicou mais de trinta livros de poesia, ensaios, crônicas, romance e infantojuvenis. O mais recente é o livro de crônicas poéticas LEQUE ABERTO (Guaratinguetá/SP: Penalux). Escreve para várias revistas e jornais como Correio do Estado (MS), Jornal de Letras (RJ), Jornal Linguagem Viva (SP), Jornal da ANE (Brasília/DF), Jornal “O TREM” (MG). Pertence à Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, à Academia Cristã de Letras de São Paulo, à Academia de Ciências e Letras de Lisboa e ao PEN Clube do Brasil.




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