Marcos entrou no escritório de seu sócio Rodrigo, da Gaudério Inc.
– Tive uma ideia que vai nos dar rios de dinheiro, tchê! Tu sabe o que é dançar de cola atada?
– ???
Diante do olhar aparvalhado do amigo, explicou:
-É uma bailanta dos puteiros dos pampas, no início do século 20. O bagual dançava de ceroulas ou nu da cintura pra baixo, com a camisa amarrada nas costas; a china também ficava seminua ou de calcinha, o vestido preso nas costas; daí o nome “cola atada”, rabo preso.
Tomou fôlego e prosseguiu:
– Eles dançavam o ritmo Bugio, em que o acordeão tenta imitar os roncos deste macacão. O cara, por sua vez, dá pulos e grunhidos como se fosse um bugio fudendo a fêmea. É uma trepada na vertical! – exclamou. – Bem, não exatamente na vertical, pois o bicho anda inclinado para a frente, apoiando-se nas quatro mãos. Seja como for, é uma bela trepada. De bugio ou de gente.
– E tu tá me contando tudo isso por quê?
– Vamos organizar o Baile do Bugio – concurso de dança de cola atada! – resumiu Marcos.
– Bah! Tu endoidou de vez! – retrucou Rodrigo.
Marcos, porém, foi persuasivo, lembrou que o Rio Grande do Sul era um dos estados mais civilizados do país, “nada a ver com a selvageria do continente de São Pedro”; informou que o Bugio, em versão familiar, claro, era dançado em alguns Centros de Tradições Gaúchas; e que poderiam cobrar caro pelo show, pois o ritmo e a dança não eram tão difundidos. Rodrigo, o pessimista da dupla, deu um suspiro e terminou aceitando.
Sabe-se lá como, a notícia do Baile do Bugio, em Porto Alegre, terminou chegando a um rincão perdido dos pampas, onde vivia um gauchão das antigas. Nem lembrava do próprio nome, Gumercindo, homenagem a um chefe revolucionário do final do século 19, maragato de quatro costados, de lenço colorado ao pescoço. Fazia décadas que só atendia por Índio ou Índio velho, abreviatura, por assim dizer, de Índio velho do pinguelo grande – um termo sem relação alguma com a ponte perto do rancho onde ele morava. Índio velho gostava de beber, de trepar, de brigar e, sobretudo, de dançar o Bugio, de cola atada. Mal recebeu a notícia, separou alguns mantimentos, selou o redomão e seguiu para a capital.
Chegou ao salão alugado pela Gaudério Inc. pouco antes do baile – deixara o cavalo amarrado na porta, versão contemporânea dos cavalos amarrados no obelisco, no Rio de Janeiro, na Revolução de 30 – e foi inscrever-se para o concurso. Ia bailar por prazer, por faceirice, mas alguns butiás sempre eram bem-vindos.
– Nome?
– Índio. Índio velho do pin…
– Índio basta – cortou a recepcionista, uma alemoa gostosa. Tinha tesão por coroas, e aquele ali, pilchado no simples…Uau! Só olhar pra ele já estava umedecendo as partes baixas.
Despediu-se dele com um sorriso mifode, ele respondeu com um sorriso fodossim, guria. Mas só depois da função. Primeiro a obrigação, o bugio, a cola atada; depois, a devoção.
Como sempre fazia, foi para o banheiro preparar-se. E mamar uma canha, que ninguém é de ferro, e Índio, menos ainda. Ajustou a roupa e colocou a máscara de gorila. Tinha pedido máscara de bugio na loja, não tinha… O pior é que quase não via com aquela desgraça, tinha uns furinhos pequenos demais para os olhos.
Ouviu quando o locutor (Marcos) anunciou o início do Baile do Bugio e o concurso, com prêmios para os bailarinos mais faceiros. Correu para o salão (a quatro passos do banheiro) e, sem ver quase nada, deu um salto simiesco, para atrair uma fêmea.
– Uh! Uh! – gritou, imitando um bugio. – Qual é a china que vai putear comigo de cola atada?
Putear era le mot juste. Estava nu da cintura para baixo, a roupa amarrada nas costas, o pinguelão duro como pedra. Nas bailantas a que comparecera, sua entrada era sempre aplaudida com urros de bugio, vindos da platéia, e, no momento seguinte, sentia um delicioso rabo feminino massageando seu cacete. Depois vinha a penetração, mais Uh! Uh!, alguns ui ui ui da percanta… Delícia!
Dessa vez, porém, foi diferente. Silêncio total. Ambiente gelado, de renguear cusco. Perdendo rapidamente a ereção, tirou a máscara de gorila e viu umas donas bem vestidas, ao lado de uns bagual de terno e gravata. Pilchado, só ele (mais precisamente, semipilchado, bombachas e ceroulas estavam amarradas atrás). Prendas, umas duas ou três, quando muito bonitinhas; china, nem uma sequer…Barbaridade!
Mas bailar era preciso, tinha uma reputação a manter – e o prêmio viria a calhar. Deu duas voltas no salão, soltando uns Uh! Uh! desenxabidos, movendo-se como um bugio com artrite, e voltou para o banheiro. Depois disso, concorrente algum ousou se apresentar. A função terminou meia hora depois de começar.
Depois de dar um trato na alemoa no banheiro, ensinando-lhe os mais simples movimentos da cola atada (o suficiente para fazê-la gozar adidado), Índio voltou ao salão, onde estavam, desconsolados, Marcos e Rodrigo.
– Quero meu prêmio.
– Prêmio? Tu é que devia nos pagar, tu acabou com o baile… – falou Marcos.
– Meu prêmio – rosnou o gauchão, acariciando sugestivamente o cabo do punhal.
Os dois viram, empalideceram, e entregaram-lhe o prêmio de melhor bailarino. Índio jogou o dinheiro na guaiaca, sem contar, e foi embora, de volta pros seus pagos.